25.6.13

PROMETER II

Um outro significado do verbo «prometer» surge muitas vezes com o sentido de recompensa. É o que faz quem, no fundo, paga uma promessa. É um sentido um pouco mercantilista, muito embora algumas religiões a tenham como uma prática corrente. Promete-se fazer alguma coisa se, por sua vez, outra coisa for feita, em troca. Um “toma lá dá cá” a roçar a desconfiança. E prometer tem tudo a ver, precisamente, com confiança.

Prometer, acreditar, confiar poderiam, pois, ser considerados verbos que regulam relações entre pessoas, mas também entre instituições, que afinal são feitas de pessoas que por lá passam. Regulam, no entanto, mais na base do fazer do que do ser. Pressupõem muito mais um resultado concreto, do que apenas um comportamento ou uma atitude, quando afinal a confiança é muito mais do domínio do intangível.

A propósito deste significado de «prometer» ocorreu-me a lenda da sopa da pedra, lá dos lados de Almeirim, por sinal terra também de melões, aqueles que só sabemos se são bons depois de abertos, e os outros que às vezes se “apanham” quando contamos com uma coisa e nos sai pior. Há terras assim, curiosamente ricas em metáforas…

A lenda da sopa da pedra, que parto do princípio que todos conhecem de alguma versão mais ou menos romanceada, é interessante porque faz, afinal, de quem resiste em participar um grande contribuinte – e a esmola ou caridade eram práticas muito comuns à época, uma espécie de sistema de segurança social de trazer por casa…

Finalmente, a família que não queria dar esmola ao velho frade, acaba por dar tudo a troco de uma promessa de que desconfiavam: fazer a tal sopa de pedra. Claro que a marotice da lenda faz do frade um comilão que não partilha também com ninguém o resultado final da sua argúcia, e esse é talvez o seu pior pecado. Mas a promessa de fazer uma sopa de pedra, cumpriu-a.

Perguntar-me-ão se é fácil prometer quando não depende só de nós cumprir essa promessa. Sim, é mais fácil, respondo eu. Só é fácil cumprir o que se promete quando a promessa depende só de nós, quando depende só mesmo de nós. Difícil é viver, trabalhar, participar e prometer quando se vive dependente de um coletivo, que é o que acontece com todos os que vivem em sociedade e contribuem, de qualquer forma, para essa sociedade. Por isso também, quando há uns tempos falei do verbo «confiar», e falei de eleições mas de Obama nos Estados Unidos, não falei de promessa mas de compromisso.

No fundo, no fundo, o frade da lenda cumpriu com um compromisso que parecia uma promessa. Prometeu fazer uma sopa de pedra, e ao longo do processo foi comprometendo todos aqueles de quem dependia no cumprimento dessa promessa. Ficou egoisticamente com os louros? Ficou. Mas certo é que a receita ainda aí está e o bom do frade fez escola. Uns aprenderam a usá-la para benefício de muitos, outros em seu próprio benefício. É o que temos…demais!

18.6.13

PROMETER I

Sendo esta uma rádio local e estando já marcadas as eleições autárquicas para o mês de setembro, quer-me parecer que esta será a última série de crónicas em torno de um verbo, que vos leio e dou a ler, até à rentrée pós-eleições. Sem prometer que não me ouvirão, entretanto, por alguma razão mais ou menos programada, «prometer» pareceu-me um verbo adequado a esta saison em particular.

Confesso que o uso em contexto do verbo “prometer” de que mais gosto é aquela expressão idiomática que fica a meio-caminho entre a incredibilidade e a expetativa e que diz assim: «Isto promete!» E não, ainda não vou falar das autárquicas. Vou falar-vos da recente mudança das instalações dos serviços do Centro Distrital de Segurança Social para o edifício da Direção Geral dos Estabelecimentos de Ensino, ali à Horta do Malhão, aqui em Évora. (Atenção, caros e caras munícipes eborenses, que o atendimento ao público não se mudou!). Não vou falar, avaliar ou julgar o trabalho de uma nem de outra entidade, nem dizer que estes dois ministérios não pudessem, porque se calhar até devem, articular muito em várias áreas. E, já agora, até ali com a Saúde que tem edifício próximo. Mas tão somente vos falo do que em mim causou a notícia desta mudança.

Foi quase como se aquele anúncio tivesse feito soar, no domínio do simbólico, as campainhas de alarme para o que acontece quando se desinveste na educação. Também não vou comparar a eficiência dos corpos técnicos destes serviços, que emagrecendo uns e parecendo outros ganhar mais volume, poderão vir a demonstrar uma eficácia a que dou ainda o benefício da dúvida. Tenho sido paciente… Aliás, não é obrigatório que mais gente a trabalhar produza mais, ou melhor, apesar da lógica matemática.

Esta partilha de espaço fez-me, no entanto, antever o pior. Sem querer ser arauto da desgraça, profeta do apocalipse ou até só pessimista, “isto a mim promete-me” que, se desinvestirmos na educação, maiores serão as necessidades de apoio social no futuro. Daí que me tenha parecido que estes ministérios se estejam a ajeitar para servir contra a vaga ou epidemia de desempregados, desvalidos, gente que precise de apoio para ter condições mínimas para que aquilo por que passam neste mundo seja a Vida, e não apenas sobrevivência.

Não pude, obviamente, deixar de me lembrar de expressões em que os termos “escola” e “prisão” aparecem, e cuja fórmula mais simples que conheço, diz que é de Victor Hugo, atira assim certeira «Quem abre uma escola fecha uma prisão.» Eu cá, que só podia acreditar na Educação como a base para o crescimento civilizacional, ou não fosse adepta e praticante do movimento internacional das Cidades Educadoras, acho que é mesmo precisa uma aldeia inteira para educar uma criança.

12.6.13

COMENTAR III

Para terminar esta série sobre comentários e comentadores não gostaria de deixar de lado os que são muito especializados em assuntos e matérias que lhes dizem muito respeito e que conhecem como mais ninguém. Aprende-se muito com este tipo de comentários e comentadores e bem hajam por isso.

Esmiuçam até à exaustão detalhes do assunto. Conhecem-lhe o histórico e preveem-lhe o futuro, distinguem matizes, reconhecem-lhe os seguidores, os simpatizantes e os inimigos. Normalmente olham o mundo tendo por termo de comparação esse assunto. Não estou, naturalmente, a falar de obsessões nem fanatismos, entenda-se. Mas sim de conhecedores do assunto que o comentam com convicção. Sem que lho peçam ou, pelo contrário, especialmente a pedido.  

Também acontece a estes comentadores serem muito requisitados por quem quer conhecer um pouco desse assunto. Mas, por vezes, como quem pergunta só quer conhecer um pouco lá fica o comentador numa espécie de pregação no deserto. E eu falo aqui de comentadores quando poderia falar de peritos, especialistas ou investigadores, porque o que me importa é o que a opinião de alguém sobre algo posse interessar e até influenciar os outros nas suas decisões e modos de vida. É este o espaço em que o facto objetivo se cruza com a subjetividade e a que normalmente tem acesso o cidadão comum, afastado do facto e tendo como intermediário entre si e esse tal facto alguém que acaba por dar, com maior ou menor exatidão, a sua própria perspetiva. Mesmo tendo em conta eventuais outras perspetivas, é a sua que transmite. E é sobre essa que quem pergunta irá agir ou decidir, com ou sem adaptações também mais pessoais.

Comentar é talvez dos exercícios mais difíceis e perigosos para quem tem, ou pretende ter, ou pretendem que tenha, alguma relevância no espaço público. Até porque nalguns casos a relevância que se possa ter nesse espaço público passa pouco pela inscrição de uma opinião pessoal, para passar a ser uma opção, pessoal ou de grupo, para outros. E, tantas vezes, essa opção é, ou devia ser, tomada sem que esse conhecimento profundo se transforme num condicionador que afunila a decisão e impede que opiniões diversas sobre o mesmo assunto sejam escutadas.

Decisões participadas que condicionam opções são uma forma de governação simpaticamente democrática e preferida por muitos. São afinal uma resistência a esse grau de conhecimento por parte só de alguns, inteligentsia da situação, para passar a ser a oportunidade de muitos, mais ou menos conhecedores, virem comentar as opções propostas e orientar decisões. O problema é estarem todas ou todos preparados para agir e reagir assim. É que formar uma opinião e comentar e querer que essa opinião e esse comentário passem a ter a responsabilidade de ser parte da solução é muito diferente de dizer umas coisas sobre o assunto ao microfone, ou em frente a uma câmara, ou de forma mais ou menos criativa na Internet.

4.6.13

COMENTAR II

Sempre ouvi dizer que o poder tem horror ao vazio. Parece que é das leis da Natureza, também. Ora há quem exerça o seu poder comentando e, por isso, na ausência de factos ou dados mais seguros não se coíbem de continuar a comentar e a comentar sem fim. Quando o facto ou a informação chegam, “descoincidindo” com o comentário, por vezes parece não haver outra solução se não “engolir” o que antes se disse. Ou então persistir numa espécie de exercício de obstinação. A obstinação, diz-nos o dicionário, é a afeição excessiva às próprias convicções, ideias ou pensamentos. Os obstinados dizem-se, muitas vezes, coerentes e gente de caráter forte…

Já os que “engolem” o que comentaram avant la lettre ficarão, em princípio, numa situação embaraçosa mas que, em meu entender, lhes permite crescer na sua própria vida de comentadores. Não conheço muitos assim. Os comentadores de intenções proféticas têm por vezes grande influência em destinos de pessoas ou instituições cuja ação, que acham previsível, comentam. Pena é que quando esses destinos, também por essa sua influência, dão para o torto se façam de esquecidos. Conheço mais destes. Aqueles que comentavam que a mudança de governo nas últimas eleições ia ser benéfica, por exemplo. É, estamos todos muito melhor agora!

Mas voltemos aos que se reconhecem como precipitados nas suas análises, como aqueles amigos que, vendo um dos seus martirizado ou martirizada por um amor que não parece merecer, vão aconselhando vivamente o afastamento ou a separação e depois lá se veem no casamentos, em sucessivos batizados e outras comemorações familiares, a festejar a felicidade inesperada.

Esta é aquela atitude de quem não querendo prejudicar ninguém é a de quem comenta e, errando, não lhes caiem os parentes na lama, nem deixam de ser ouvidos. Sendo certo que não há uma segunda oportunidade para se causar uma boa impressão, máxima que se deve aplicar sem exceção aos comentadores, também me parece acertado que uma pessoa não se mede pelas vezes que cai, mas pela elegância com que se levanta.