18.12.12

PREMIAR

Desde há quase sempre que há velhinhas e velhinhos a viverem sozinhos. Conhecemo-los até das histórias tradicionais do “era uma vez”. Também há muito que ouvimos contar ou conhecemos gente, pais e mães, que com muito sacrifício mandam os filhos para longe de casa dando-lhes uma oportunidade para construírem a sua vida melhor que a deles próprios. Estas histórias não são novas. O que é novo em Évora, e foi premiado pela Fundação Manuel António da Mota, é esta conjugação de esforços e trabalho de gente que em diversas instituições vão garantindo o funcionamento do Estado social, conquista de que todos nos devemos orgulhar.

Nascido de um desafio dos estudantes da Universidade de Évora à Câmara Municipal, o projeto «Laços para a Vida» tinha de ter a consistência, a segurança, o cuidado de ser pensado, construído e acompanhado como o deve ser qualquer medida que envolva as pessoas. E assim foi. Com quem está diariamente no terreno e conhece as fragilidades e particularidades dos idosos que se sentem sós – a Cáritas Diocesana e a Unidade de Cuidados na Comunidade; com que voluntariamente dá aos outros o seu tempo melhorando-o e melhorando o dos outros – os voluntários do Banco do Tempo; e com o Gabinete de Apoio ao Estudante da UÉ, a Câmara Municipal pôs mão à obra. A Fundação Montepio percebeu também a importância do projeto e apoia-o financeiramente na sua divulgação e em pequenos arranjos que as casas precisem para receber estes novos hóspedes.

Nós o sete estamos a fazer a nossa parte e a sensibilizar os nossos munícipes mais velhos para que, em seu próprio benefício, exerçam esse direito cheio de responsabilidades que é serem cidadãos participativos. Em prol da intergeracionalidade e da solidariedade entre gerações, todos estamos convocados para agir, nesta Cidade que sendo património da Humanidade é, não só dos Eborenses, mas de todos.

Este prémio reconhece-o e incentiva-nos a prosseguir, por isso este prémio está e estará sempre presente em cada “laço”, com casa e companhia, que um idoso e um jovem deem, e que ficará para a Vida. A deles e a nossa.

ATRACAR

Parece que o navio «Funchal», atracado em Lisboa, tem servido desde há dois anos de abrigo a sete homens que nele trabalharam e que agora, sem ordenados nem nenhuma espécie de finalização de contrato normal, lá continuam a viver. Tendo eu tido familiares no então chamado Ultramar, foram algumas as viagens que fiz em grandes navios, embora fosse tão pequena que só delas tenho alguns lampejos na memória. Mas a viagem no «Funchal» até à ilha da Madeira, onde fui fazer a 3ª classe porque foi lá que a minha mãe, professora, se efetivou, marcou-me como a minha primeira experiência de saídas e daquilo a que chamamos as “borgas”. Dois dias e duas noites de viagem, com a autoridade materna trancada no camarote vítima de um valente enjoo non-stop, o corrupio de uma assisada miúda de 8 anos, num espaço confinado mas cheio de propostas tão atraentes, foi memorável.

A imagem deste paquete, seguramente mais pequeno do que me parecia então, vazio do esplendor que estes barcos têm sempre, às escuras e ao frio, habitado por sete homens, parece-me um esboço de guião de filme do Kubrick, à escala do Shining. E “atracam-se” em mim uma catadupa de muitas outras imagens fantasmagóricas.

Como é possível num país com leis de trabalho bem claras deixar, aparentemente, ao abandono sete trabalhadores nestas condições. É que se não usufruíram de todos os direitos que lhes eram devidos em caso de despedimento, também não têm o direito de viver assim num paquete por conta deles. Não estou, obviamente, a invejar-lhes supostos luxos que não têm, mas parece-me isto muito pouco claro e mesmo inaceitável.

O sindicalista que falou em nome da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores do Mar disse que iam «tentar assegurar os salários e despesas das pessoas e, eventualmente, pedir indemnizações cíveis»; os proprietários, dois irmãos gémeos gregos não dizem nada; o comandante do navio diz que ficou sem cozinheiro desde 25 de Outubro, porque depois não forneceram mais mantimentos, que têm um subsídio diário, que também não é pago, que vão fazendo a alimentação do próprio bolso e que vão vivendo em comunidade, porque têm de estar todos juntos, desde o comandante até ao chegador da máquina; um reconhecido especialista em história naval considera que o "Funchal" vai acabar na sucata.

Que filme é este, pergunto eu? Que movimentos se seguem a esta notícia? Porque é que neste país tudo e mais alguma coisa que é notícia, exagero meu claro!, me parece agora cada vez mais saído de uma obra de ficção com contornos de qualidade duvidosos? Às vezes até fico à espera de acordar de um pesadelo… E se Portugal é um barco atracado na Europa à espera de ir para a sucata? Irra, que arrepio na espinha…

4.12.12

RESISTIR

Depois de dias de discussão, depois de aprovado o orçamento, o PM falou na TV e anunciou mais medo aos cidadãos. Os cidadãos já tinham começado a desconfiar que isto ia ficar pior, mas as palavras às vezes aliviam a dor antes dela aparecer com força e mascaram o mal que a causa. O medo começou a acentuar-se e aquilo que eu digo, em desabafo ao meu filho, é que vamos entrar numa guerra. Assustado, ele que se aproxima da idade de ir ao Dia da Defesa, manifesta o seu espanto. Não é guerra, guerra, de bombas, tanques, trincheiras e bombardeiros. Mas haverá um rasto de morte, mesmo que a morte seja o destino mais natural e certo que temos. Haverá um rasto de morte, mas os sobreviventes sairão mais fortes. Como nas guerras acontece aos que lhe sobreviveram. Mas aos mesmo vivos, não aqueles que respiram com a morte dentro deles.

Esta esperança da sobrevivência não é verde como a esperança normal. Não podia ser, porque senão seria o mesmo contentamento a que eu assisti expresso por um militante histórico comunista perante um movimento reivindicativo de uma classe – a dos empresários dos restaurantes. Nunca pensei ouvir isso da voz de um ser humano que lidera, ou liderou, opiniões com palavras como liberdade, justiça e outras que sabem a bom e a bem. Como a alegria. Estar contente porque há quem se reúna em torno de uma causa que é sinónimo de sofrimento? Ficou, de novo e mais uma vez, tudo explicado para mim. Tudo é aquela coisa do “quanto pior, melhor”.

Mas volto à esperança de sobrevivência, a minha esperança de sobrevivência. Essa esperança passa por tentar arranjar força para resistir. Para resistir à fome, ao desemprego, à mingua. Resistir à reação violenta que fará aumentar a fraude, o crime, a luta. Sim, porque a luta dói e magoa. Não estou também a falar no bíblico dar a outra face, nada disso. Resistir implica ter a força para mudar a forma de pensarmos, agirmos, relacionarmo-nos uns com os outros e reclamar os nossos direitos sem entrarmos na fraca posição de não cumprirmos os nossos deveres. Não podermos exigir quando não cumprimos parece um bom princípio de vida em comum. Mas, na circunstância de não conseguirmos cumprir e nos tornamos mais fracos para exigir, também não podemos cair no caos que só dá vantagem a quem, oportunisticamente, age de má-fé.

Resistir tem de ser fazermos opções, criar alternativas que nada têm a ver com a “imaginação”, como o senhor de Belém sugeria. Tem a ver com a união, com a cooperação, com o deixar de lado o espírito do constante competir que tantas vezes promove a exaustão. Resistir vai ter que ser cada um reorientar essas forças, que vão diminuindo é verdade, e juntá-las às de outros. É não perder nenhuma oportunidade para exigir direitos de cidadão e exercer deveres de cidadania. Resistir tem de começar, em cada um de nós, por mudar.

27.11.12

RECORDAR

O verbo “recordar” vem nesta crónica a propósito de fotografias. Havia até o slogan da Kodak, passo a publicidade, que dizia que «recordar é viver». Não me referirei apenas a imagens em fotografias, mas também a imagens que os textos têm o poder de nos fazer criar nas nossas cabeças – imaginar, portanto - quando nos descrevem ou narram determinadas situações. Tenho até um amigo ilustrador que diz que se os fotógrafos afirmam que uma imagem vale mil palavras, um ilustrador afirmará que uma palavra vale mil imagens.

Vem então este “recordar” e esta crónica a propósito das imagens da miséria. Eu, que ainda sou do tempo das imagens da fome no Biafra, que passei pela onda das campanhas de solidariedade com os Etíopes, assim todos metidos no mesmo “saco”, assisto agora à produção caseira, nacional, de crónicas e textos volantes com descrições escancaradas da miséria, dos quais o menino das bolachas parece ser um best-seller. Apetece-me, face a este fenómeno que, nalguns casos, é de óbvio marketing para mais visualizações e venda de “exemplares”, falar de duas coisas: das fotografias do Sebastião Salgado, que já uma vez, ou mais, evoquei, e da memória das pessoas. Das pessoas comuns que veem televisão ou leem jornais ou, já agora, ouvem rádio.

As fotografias desse grande artista brasileiro, Sebastião Salgado, marcadas por um discurso, ainda que visual, de intervenção política e social, de denúncia de situações de desigualdade e de exploração humana, nunca colocaram num lugar rasteiro as pessoas. Denunciam, sim, denunciam, mas sem retirar a dignidade aos explorados e às vítimas. Aliás denunciam porque são belos e a beleza, ou a bondade, incomoda os cínicos, muito mais do que o discurso miserabilista que vai direitinho ao encontro dos objetivos de quem parece gostar de ver os outros amarfanhados.

Ao contarem histórias de desgraçadinhos e divulgarem imagens de miseráveis parece que o assunto é coisa nova. Parece que nunca houve, ou que já alguma vez deixou de haver, gente explorada. Não é a expor sem dignidade as pessoas que se faz algo por essas mesmas pessoas ou se evita que outras pessoas a estas se juntem. E aqui, quase me estava a pôr em posição de defender a senhora de nome Isabel… E punha, não fora ela alinhar no discurso dos que acham que esta miséria é uma mortificação necessária à ressurreição da espécie humana, portuguesa, e desalinhar do sentido cívico e cooperativo de que os Bancos Alimentares, enquanto parceiros de uma rede social efetivamente cooperante, devem e podem ser.

Não estou, longe disso, a falar de esconder as vítimas da miséria, porque também há quem o faça para vender a imagem de que ela não existe. Mas estou a falar em protegê-las de quem usa e abusa delas no seu discursozinho choramingueiro. Mais eficaz que tudo isto é, por exemplo, denunciar as toneladas de peixes deitadas fora por não cumprirem os pesos e as medidas comunitárias e, na mesma notícia, revelar o aumento do número de refeições fornecidas por instituições de solidariedade social que há largos anos, mesmo quando parece que eramos todos ricos e vivíamos acima das nossas possibilidades, já faziam da solidariedade um valor muito para além do mero discurso retórico e que serve bem e ajuda à festa de quem acha que os que sofrem são todos uns piegas.

20.11.12

ERRAR

Parece que foi descoberto um planeta novo num sistema próximo, a cerca de 100 anos-luz, do nosso sistema solar. Parece que anda por lá a vaguear, não se sabe há quanto tempo, sem uma estrela a acompanhá-lo. Parece que é costume os planetas terem pelo menos uma estrela que os acompanhe e a quem os astrónomos chamam hospedeira… E parece que, por isso, é um planeta errante.
Dizem-nos que os planetas errantes são objetos com massas típicas de planetas, que vagueiam pelo espaço sem ligação a nenhuma estrela. Já foram descobertos antes, mas sem o conhecimento das suas idades não foi possível saber se eram realmente planetas ou, imagine-se, anãs castanhas, isto é,  estrelas falhadas que não conseguem ter tamanho suficiente para dar início às reações termonucleares que fazem brilhar as estrelas bem sucedidas. Tudo isto é ciência, muito embora possa parecer poesia. Ou então é mesmo poesia, e a ciência não conhece outro código de linguagem para falar das coisas importantes da ciência. Sim, porque a poesia só é importante depois de todas as outras coisas. E os poetas sabem disso. Alguns importar-se-ão, outros não. Como acontece com todos os outros e outras “qualquer coisa”: poetas, cientistas, canalizadores, árbitros, nadadores, políticos, escriturários, seguranças, etc., etc…
Ensinaram-me, e eu ensino a quem devo, que todas, mas todas, as profissões são importantes. Com a incerteza na alma, e o receio de que no seu futuro os meus planetas muito meus saiam do meu sistema e vagueiam errantes por outro, sem estrelas, a errância deste planeta trouxe-me a imagem de uma geração que está a nascer de ativos que parecem ter o futuro traçado. É mais uma vez o número do desemprego jovem a crescer.
Quando eu, enquanto jovem, conseguia ter um emprego de férias que, muito para além da contrapartida financeira, me abria o caminho para o que seria isso de ganhar a vida, a geração a seguir parece condenada a errar por aí de oportunidade em oportunidade como se os lugares onde há trabalho fossem lojas com promoções. E quando isso acontece com os mais qualificados tudo parece mais aterrador, porque se alimenta a ideia de que afinal não adianta estudar.
Quando penso no planeta errante sem estrela hospedeira, ou será uma anã castanha porque não consegue crescer (?), não consigo deixar de ver uma imagem profética da geração dos agora jovens. Depois penso por momentos que se calhar os anos-luz serão ao contrário e, afinal, aquele planeta errante veio do passado e só agora o avistámos. E aí não posso deixar de me lembrar do Marco, a personagem de ficção que passou a desenhos animados saído do livro Coração de Edmondo de Amicis, e que viajou sozinho de Itália para a América do Sul para encontrar a sua “estrela” que tinha emigrado. Mas não deve ser. Anos-luz é coisa de futuro…
O planeta errante é, no meu dicionário de medos, o jovem que em silêncio, um ensurdecedor silêncio, não se junta a indignados, nem arremessa pedras às forças de segurança, que estão ali mesmo para zelar para que mesmo indignados se sintam seguros. Mas é também aquele que vai errando à procura daquela ocupação que não consegue sentir como profissão, mesmo que lhe tenham dito que é muito importante, porque não foi para ela que se preparou.
Se calhar aquilo que eu devia estar a ensinar aos meus planetas muito meus era como serem uns bons errantes, já que como qualquer mãe ou pai o que nós queremos mesmo é que “eles” sejam felizes… Vou procurar alguns conselhos, já que nada disto vem nos manuais…

13.11.12

ACREDITAR

Esta minha crónica vai hoje para a minha impressão do discurso de vitória de Barack Obama. Já quando o democrata Bill Clinton tomou posse pela primeira vez como Presidente dos Estados Unidos da América, o discurso foi de um brilhantismo digno de análise, então, com os meus alunos de introdução aos estudos literários.

Este de Obama foi menos poético, mas correspondeu a uma situação ou circunstância em que a América, face ao estranho comportamento desta nova União da velha Europa, dá uma lição de política e cidadania, através deste discurso. Proferido para uma plateia cheiinha de gente nova, o conteúdo assim enformado pelo estilo de Obama, leva-me pelo menos a acreditar que há um futuro para a democracia.

Para além da nota pessoal familiar, acrescentou o habitual sentido de humor dando o recado às filhas de que um só cão em casa chegava. E noto eu que, por sinal, esse é um cão português de raça autóctone algarvia. Mas o que mais realço neste discurso de 20 minutos foi a constante exemplificação de situações, chegando até ao detalhe de um caso particular, de gente que não tendo ainda visto concretizadas todas as primeiras promessas eleitorais de Obama continuar a acreditar que todos os passos do governante têm sido dados com o esforço de manter firmemente essa linha política, ainda que adaptadas a diferentes circunstâncias que fazem da política a arte do possível e não do ideal que não estará nunca à mão e ao gosto de todos.

Depois há no discurso uma união dos conceitos de política e cidadania, realçando o papel não apenas do político mas de cada cidadão, em diferentes áreas, poderes ou atividades que responsavelmente atuem e se comportem de forma a contribuir para o bem comum. Esta inclusão de todos e todas, esta convocatória feita aos cidadãos, estabelece um compromisso que vai para além do simples ato de eleição que, ainda assim, teve desta vez uma expressão muito significativa. Esta lição serve também para quem gosta muito de denegrir os políticos quando afinal, na sua atuação, os há de todas as espécies como qualquer cidadão na sua atuação e responsabilidade para com os outros e a sociedade.

Finalmente, o discurso criou um slogan que ecoará nas pessoas que precisam tanto de acreditar, sob pena de o descrédito cair sobre quem não sabe nem mesmo dar sinais credíveis de um futuro melhor. O seu «the best is yet to come», isto é «o melhor ainda está para chegar», é o sinal de uma esperança. Uma esperança sem promessas irrealistas mas com a confiança que é devolvida aos cidadãos que lhe depositaram confiantes, de novo, o poder nas mãos.  

INCLUIR parte 2

Voltando ao verbo da crónica da semana passada, “incluir”, queria convosco pensar em formas para não afastar as pessoas daqueles que, para todos os efeitos, foram eleitos por essas mesmas pessoas para os representar. E não vou falar de governos, central ou locais, mas de situações aparentemente tão mais simples como uma associação ou uma instituição onde os corpos sociais são órgãos de representação dos associados na direção dos destinos das mesmas. Já fiz parte de várias, com maior ou menor empenho, também com maior e menor vontade, sendo que sempre me pareceu que o trabalho em grupo é essencial e que, consequentemente, também aí os membros de uma direção, conselho fiscal ou assembleia-geral devam sentir-se todos incluídos para que, verdadeiramente, se comportem como tal.

Parto do princípio de que há sempre um interesse pessoal na assunção de um cargo destes e que esse interesse é canalizado de forma a que tudo, repito tudo, na área de atuação daquela instituição ou associação possa correr o melhor possível. O interesse pessoal é assim posto ao serviço do interesse comum e não o contrário. Julgo que, quando o espírito é este, tudo será à partida muito mais fácil.

Depois julgo que há que potenciar os momentos de mobilização de associados, normalmente mais intensos quando são chamados a votar, para continuarem a participar ativamente no quotidiano das instituições. Não é, obviamente, estarem sempre “metidos” nos trabalhos da direção já que isto é uma duplicação desnecessária e às vezes promotora de uma entropia que não faz bem. Mas usando os seus direitos para responsavelmente opinarem e disponibilizarem-se no órgão que os escuta, normalmente a assembleia-geral, e muitas vezes, em casos pontuais, participando em comissões que se constituem com fins mais específicos.

A participação organizada dos cidadãos é, na minha opinião, a expressão máxima de uma cidadania matura. Causas diferentes que, como a forma helicoidal do ADN, se cruzam e tocam para que a vida em sociedade seja melhor, contribuindo até com a pluralidade de pontos de vistas e opiniões sobre uma mesma matéria para que todos se possam identificar com esse tipo de estruturas.

Acontece, infelizmente, é que até nas associações mais pequenas com áreas de atuação muito próprias e bem definidas, não só os eleitos se afastam dos eleitores, como os eleitores lhes fazem às vezes o jeito e se afastam também. Como contrariar esta humana tendência de ambas as partes? Esta é a pergunta para o milhão de euros, claro! Mas muito passará pela própria reorganização de direitos, deveres e responsabilidades de uns e outros, com o apelo constante à participação e assunção das consequências dos resultados dessa participação, pois se uma maioria contraria a vontade de uma direção ou de um presidente de uma direção ou foi porque desconheciam as intenções de quem se candidatou à direção, ou não havia alternativa a quem se propôs a ser direção, e aí, azar, tivessem-se proposto a votos. Ou então as condutas alteradas das direções correspondem a alterações de circunstâncias externas e, mais do que nunca, a participação de todos na procura da solução alternativa possível, às vezes não a desejável, se torna um imperativo. É que, como em tudo, são as pessoas que fazem os lugares que ocupam e não o contrário.

INCLUIR parte 1

Esta crónica será, provavelmente, a primeira de mais algumas que andarão à volta do verbo “incluir”, a acontecer ao correr da pena e das circunstâncias que vão arrancando reflexões e motivando posições e pontos de vista.

Aconteceu-me esta quando assistia com os meus filhos a um concerto de música pop, conotado assim com gostos de grandes públicos, e a que algumas vezes tenho tido direito por negociações domésticas de cabimentação de mesadas e repartição de custos. Bons momentos também em família, para além de ser bom ver tanta gente junta, satisfeita, para variar do clima sombrio que vai pairando um pouco por toda a parte. Foi, aliás, este o motivo das minhas reflexões.

Para além da música que alegra corações, neste tipo de eventos mais populares assistimos sempre a um extravasar de sentimentos e emoções, momentos tantas vezes conotados com a alarvidade e a falta de cultura e qualidade, ou mesmo desconhecimento em relação à arte, neste caso a música, que ali se oferece como espetáculo. É verdade que, muitas vezes, o empolgamento do público chega a incomodar os que estão ali para assistir ao que se passa no palco, mas também é certo que os lugares não são marcados e faz parte do convencionado arriscarmo-nos a não ser a mesma coisa ouvirmos o disco tranquilamente em casa ou assistir ao espetáculo dos mesmos artistas ao vivo, tantas vezes com encenações adaptadas a essas ruidosas reações das grandes massas. Aliás, nos concertos de música erudita, em ambiente mais seleto e tranquilo, às vezes acontece as boas vizinhanças não serem fáceis, sendo a caricatura do desembrulhar do rebuçado um episódio bem possível. O que me parece certo é que tudo é feito para incluir o mais possível o espetador no espetáculo e quanto mais incluídos, e participativos portanto, mais sucesso este tem e mais satisfeitas de lá saem as pessoas.

Ora isto levou-me a tentar fazer algumas aproximações ao mundo da política, dos partidos, das organizações sindicais e da participação dos cidadãos, e de como tudo o que tem sido feito para que os cidadãos se sintam representados tem, de certa forma, tido alguma reação com mobilizações em que se faz crer que cada cidadão se representa a si próprio e não quer que ninguém nem nenhuma organização o represente. Como se ninguém se revisse em algo ou alguém que falasse por si.

Bem sei que isto é o assunto visto de forma mais grosseira, em poucas palavras, mas é o flash que posso dar, sem me focar, para já, em contornos mais precisos. E é, julgo eu, um bom ponto de partida para que se comecem a mudar atitudes quando falamos em nome de outros. Esta é uma terrível realidade, pois podemos imaginar o caos de ninguém tomar as rédeas de nada com receio, ou mesmo medo, de se ver imediatamente rejeitado por quem foi legitimamente indicado para o fazer. Bem sei, também, que há alguns que julgam que encher uma praça de touros e dizer que se votou por unanimidade uma qualquer moção, normalmente de protesto, cria esta ilusão de participação de cada um numa decisão concreta, mas parece-me um trabalho tão pouco sério, como tentar pôr o público dos tais concertos a saltar em frente a um mau concerto. Sim, porque se as reações podem parecer exageradas nestes concertos, certo é que já vi más atuações serem duramente julgadas por este público que aparenta ser algo alienado. Eles sabem ao que vão!

Para já fico-me com estas primeiras impressões.             

24.10.12

DISCURSAR

Confesso que atonitamente tenho assistido a um desfilar de verbos por parte do governo, ou melhor, do ministro Gaspar e do PM que começo a pensar que ou vimos todos o «5 prá meia-noite» durante o verão, ou o discurso político passou a fazer uso dos verbos para justificar as complicadas ações ou falta delas, incompreensíveis para o comum dos cidadãos… e até mesmo para outros especialistas em economia. Senão, vejamos. Em notícia de terça-feira passada li assim: «O ministro das Finanças pediu hoje aos deputados do PSD e do CDS para que estes apresentem propostas de corte na despesa pública entre 500 a mil milhões de euros para “calibrar” o aumento de impostos. Uma nova palavra no léxico do governo que falava antes em “mitigar” ou “suavizar” o aumento de impostos.». Mitigar, suavizar e calibrar eis a sucessão cronológica deste pequeno dicionário.

Todos sabemos que o discurso é um dos instrumentos de trabalho do político, muito para além de todas as questões filosóficas ou de análise do discurso. Político é, ou tem sido, retratado e caricaturado a proferir discursos, mais ou menos, inflamados. O uso da palavra que é dita para convencer, aliás razão de ser da linguagem – a criatura fala para obter uma resposta – é o seu uso mais corrente. Até mesmo quando parece limitar-se a informar, nada mais se está a fazer do que tornar mais claras determinadas ações ou o esclarecer o desenrolar de determinados factos. É na escolha das palavras, ou da sua ordem nas frases, que o estilo se altera de emissor para emissor, o que faz muitas vezes com que a mesma coisa, ou melhor conteúdo idêntico, dito por diferentes emissores possa parecer outra coisa e convencer em diferentes graus diferentes recetores. Normalmente quando as palavras não correspondem às ações dos próprios ou às intenções para com os outros, e sobretudo quando aplicado a políticos, temos o exercício do conceito de demagogia.

Mas vejamos os três verbos usados pelos membros do governo central a propósito da contrapartida às medidas que aumentam os impostos de uma forma tão aterradora. Mitigar significa reduzir riscos ou minimizar efeitos. Suavizar é, como se vê logo, tornar suave. Nem mais nem menos suave, é tornar suave. Dois verbos quase poéticos, o primeiro, então, chega a ser musical. Já calibrar me parece muito mais técnico, mais à altura do que é, afinal, o ministro Vitor Gaspar, especialista em números e medidas com eles. Ora em «calibrar» encontramos as seguintes definições: medir o calibre de; dar o calibre conveniente a; adicionar ou retirar ar de um pneu para que a pressão interna fique adequada; ajustar um equipamento para que ele funcione conforme especificado. Das quatro definições não sei, muito sinceramente, ao que querem fazer do aumento de impostos…

Medir o calibre ou dar o calibre conveniente ao aumento de impostos, parece que é obrigação do ministro das finanças: saber o que fazer, face às implicações do calibre das medidas propostas, até pela amostra dos resultados na vida dos portugueses às que já foram implementadas nesta área. Já a definição que tem a ver com ar de pneus me parece mais próxima do discurso das gorduras do estado. Parece-me também é que esta como se diz na definição terá a ver com “pressões internas”, e isto de resolver as nossas vidinhas é muito mais difícil do que resolver a dos outros, claro. Resta o ajuste do equipamento para que ele funcione conforme especificado. Será isto um sinal de remodelação governamental, e calibrar é a senha que o das finanças enviou ao primeiro? Tudo em linguagem clara, correta, sem que se lixem à mistura, porque isso do lixarem-se não é verbo, é pena que quem anda a pagar estas medidas sente muito bem na pele e nem precisa que lhe digam que é o que lhe estão a fazer… Ficamos na dúvida.

REZAR - 16 de Outubro

Nesta semana que passou fiz uma coisa que não fazia há muito. Fui à missa. Igreja católica na cidade de Évora. Um homem bom que conheci e com quem convivi alguns anos morreu, velhote, e fui à missa que assinalava o sétimo dia da sua morte. Não senti que lhe tivesse servido já de muito este meu gesto, mas cedi afinal à tentação de aliviar a minha consciência com esta espécie de homenagem. Se eu fosse sempre à missa a coisa diluir-se-ia na banalização da prática, mas aquela hora que usei ali serviu-me para pensar nele, na vida, dos outros e claro também na minha. Egoísmos…

Igreja cheia com novos e velhos, mulheres e homens. Apresentação powerpoint de orações, que eu ainda sabia de cor, com ligeiras alterações musicais e a roçar o modelo de entretenimento, o que só mostra atenção ao que se passa no resto do mundo. Parece que o dia também era excecional para o próprio calendário e agenda interna da Igreja Católica o que justificou o número de padres a celebrarem o ofício, as vestes de festa, a incursão do turíbulo por entre os fiéis e pelo menos uma assistente de ocasião… talvez houvesse outros como eu. Enfim, senti-me bem mas de visita num lugar a que não pertenço mas ao qual voltarei as vezes que forem precisas.

Nem de propósito, mas por coincidências em que acredito, tinha estado durante a tarde com um casal de idosos que viveu uma boa parte da sua juventude em Évora. Ela professora primária reformada, ele sei que pintor nas horas vagas. O senhor quer oferecer uma obra sua ao município e pediu-me que, antes de começar a pintá-la o visitasse para que conversássemos um pouco e me mostrasse os seus quadros. Perante isto, e aproveitando uma ida em trabalho à capital, não pude deixar de fazer um desvio, até como reconhecimento deste seu gesto para com a Cidade que será mais uma vez retratada. Era o mínimo. Foi um bocado de tarde bem passado que me confirmou o quanto podemos aprender com quem vive neste mundo há mais um pedaço de tempo do que nós. 

Entre um e outro assunto falou-me o artista de duas obras que acabara de pintar e que, na sua visão do mundo, representavam, em par, as duas atitudes que ele via restarem a quem vive este presente que rezará, certamente, para a história como um período negro. Uma idosa a rezar, um jovem de braços cruzados. Rezar e esperar. Afinal espécie de sinónimos, mesmo que em sentido figurado rezar possa ter o significado de resmungar.

A impotência que os cidadãos portugueses vão sentindo perante notícias que parecem desabar sobre eles a um ritmo com cadência demasiado frequente, a par de enérgicas manifestações que enchem avenidas e cidades, reflete-se também um pouco por cada paróquia e família em pesadas esperas. Esperas em que as palavras de ordem são substituídas por rezas, tudo vozes que se não chegarem a uns talvez cheguem ao Céu. Nem umas nem outras parecem, no entanto, estar a segurar aquela que costuma ser a última a desaparecer: a esperança. E, talvez pior do que isso, é não se estar a ser capaz de explicar a estas pessoas alternativas, porque esta foi a última que os foi convencendo, pelo menos à maioria que se deu ao trabalho de demonstrar que acreditava nela, votando. Que mais pedir-lhes agora?

13.10.12

IMPLANTAR

Na manhã do dia 5 de outubro de 1910, o embaixador da Alemanha saiu à rua com uma bandeira branca a pedir tréguas para que os cidadãos estrangeiros residentes em Lisboa pudessem sair da cidade. Grupos de soldados monárquicos, julgando que a bandeira branca significava que os oficiais se tinham rendido, decidem largar armas e confraternizar com os republicanos. Implantou-se definitivamente a República, com a ajuda deste erro de comunicação.
 
No ano em que comemorar a Implantação da República parece ser um luxo a que deixaremos de ter direito no futuro, muito tem implantado o Governo de Portugal! Implantou bandeirinhas de Portugal nas lapelas dos senhores ministros e restantes membros do executivo governamental. Implantou medidas de austeridade que parecem estar a ser feitas à semelhança dos iogurtes light que persisto em comer e que não têm tido o efeito anunciado ou previsto, não sei à base de que estudo científico-académico, na redução das gorduras. Implantou também uma espécie de caos nas mentes e almas mais extremistas que, em meu entender, poderão ser parte de todo um programa de implantações em que as contestações mais violentas virão a reverter em favor do próprio governo. É que eu continuo a ouvir dizer por aí que do que nós precisamos é de um outro Salazar que “ponha mão nisto”. Aliás, até já se viram figuras relevantes de um dos partidos mais alinhados com a contestação na rua serem insultados nas próprias manifestações. Como naquela historieta, que o meu avô me contava como se tendo passado com ele, de em plena procissão ter atirado com uma pedra ao ar, ter fugido e a pedra ter vindo aterrar na sua própria cabeça, como que por milagre.
 
Se há um milhão de cidadãos que persistentemente sai à rua para contestar, implantando um hábito que parece-me ou cairá num extremo da banalização rotineira, ou num outro extremo da violência que mata gente, haverá cerca de nove milhões de portugueses que continuam encurralados entre várias movimentações e implantações, a assistir aflitos ao desenrolar de um filme em que contra vontade têm de participar. Recusaram um governo socialista, elegeram um de coligação de direita que parece estar a desiludi-los (digo parece porque não sei quantos dos que o elegeram assim o pensam) e assistem a piruetas de discursos e moções que continuam a querer atingir o partido desse governo anterior, em requintadas manobras de campanha para umas eleições que, mesmo que alguns esperem para breve, normalmente demorariam três anos a acontecer. Implantou-se por isso um clima que vai desde o inovador “se estar nas tintas para as eleições” ao costumeiro “rua, já!”.
 
E implantou-se um ódio aos políticos, como se neste governo eles não fossem relativamente menos dos que os “ministros-técnicos” que o PM escolheu para ministérios estratégicos. Implantou-se um ódio aos partidos como se não fossem estas associações lugares em que se reúnem cidadãos oriundos da sociedade civil, pessoas de boa ou má vontade, como as há em toda a parte, numa semelhança que, apesar de si mesma, não faz de todos iguais uns aos outros, nem mesmo dentro do mesmo partido.
 
Há 102 anos um representante da Alemanha em Lisboa, tão por acaso como Colombo descobriu a América, tornou a Implantação da República um acontecimento menos sangrento do que poderia ter sido. Hoje já não precisamos da alemã Merkel para instilar os ódios porque o PM se encarrega de, não tão por acaso quer-me parecer, criar o ambiente propício a que algo de mais tenebroso possa acontecer. Implantou-se em mim um receio de que tudo isto dê para o torto ainda mais torto, aquele em que morrem pessoas e em que ao clima de violência suceda uma terrível opressão de que os relatos históricos e a memória dos ainda vivos nos devem lembrar de quando em vez. E esta é a vez.

3.10.12

INSTRUMENTALIZAR

Hoje queria falar-vos da habitação social em Évora, área gerida pela empresa exclusivamente municipal Habévora. A propósito deste assunto, o verbo “instrumentalizar” aplica-se por ter sido aquilo que vi fazer a cidadãos fragilizados, pela segunda vez na minha vida de vereadora numa reunião pública de Câmara, por parte da bancada da CDU. Arrogando-se da exclusividade com a preocupação dos mais desprotegidos, esta força política, que esteve aqui no poder quase três décadas, durante os quais pouco ou nada fez em termos de habitação social, vem agora tomar as dores de alguns cidadãos beneficiários de uma casa de renda apoiada. Estes cerca de 30 munícipes que participaram na última reunião pública de câmara estão a ser confrontados com a atualização dos valores das rendas a 45% dos inquilinos da Habévora, num gesto que não apenas faz cumprir a lei, como repõe a equidade face a mais de metade de outros tantos cidadãos que pelo mesmo benefício já têm as suas rendas atualizadas. Eu conto de forma breve o porquê da situação.

Quando em 2006 foi criada a empresa municipal e passou a gestão das casas até então geridas pelo IGAPE para a Habévora fez-se a atualização de tabelas de rendas daquelas que não foram então adquiridas pelos próprios inquilinos. Aos já residentes que mantiveram a situação de arrendamento foi-se adiando essa atualização, correspondendo aos pedidos e dificuldades sentidas, e equacionando em conjunto que mais cedo ou mais tarde se acertariam gradualmente os valores. Fizeram-se, fez a empresa municipal, obras de manutenção, todas as receitas têm sido investidas na melhoria e construção de mais casas, fez-se uma requalificação profunda na freguesia da Malagueira, no conhecido Bairro da Cruz da Picada, e que terminou recentemente com uma gestão tão eficaz que, ao contrário do que infelizmente nos habituámos a ver, teve um custo final inferior, em cerca de meio milhão de euros, ao inicialmente orçamentado. E durante esta meia dúzia de anos, as casas que foram atribuídas a novos inquilinos tiveram logo o valor das rendas atualizadas, criando uma óbvia discriminação entre cidadãos que, ainda assim, não têm levantado questões. Era urgente repor esta situação e os inquilinos antigos foram avisados atempadamente desta necessidade, em comunicações constantes ao longo do processo em que cada situação foi explicada.

É óbvio que esta não é a melhor altura para um português passar a pagar mais de renda de casa. Aliás, atrevo-me a dizer, que nunca é uma boa altura para se pagar mais. Mas também é nestas alturas em que todos, embora sempre uns mais do que outros, estão mesmo aflitos e em risco de ver as suas condições de vida reduzidas a uma miséria de má memória, que os ânimos se exaltam e, infelizmente, surtem mais efeitos os apelos à contestação do que à solidariedade. E a CDU aproveitando a situação e instrumentalizando estes cidadãos que, em reunião pública, uma situação oficial de exposição aos outros, se atropelam para expor casos particulares da sua própria intimidade familiar, mostrando se calhar situações que gostariam de ver resolvidas sem ambiente de palmas, “bocas” ou piadas que depois se renegam. Uma espécie de circo de horrores que não serve a ninguém, já que as situações se resolvem aplicando as medidas mais justas possíveis e tratando cada caso com a solução possível e aplicável.
E os representantes que foram eleitos pelos munícipes de Évora para aquela bancada deixaram de fora na sua carteira de preocupações as cerca de 1000, sim mil, famílias que em Évora estão à espera de uma oportunidade para terem acesso a uma casa de renda apoiada. Gente que até pode auferir rendimentos inferiores a estes antigos inquilinos e que paga prestações em casas que começou a comprar ao banco, ou tem rendas com valores de mercado e não social. Ao propor-se a perpetuação desta situação está-se a colocar mais uma instituição que presta um serviço social, a Habévora, em risco, impedindo que se invista em novo parque habitacional de casas recuperadas, por exemplo, ou negociando com proprietários que têm as suas casas para arrendar, apoiando uma parte da renda, outro exemplo.

Mas a isto também se chama solidariedade, algo muito mais difícil de ser trabalhado com as pessoas desesperadas, do que fazê-las vir exporem-se, instrumentalizando-as, como ilustrações que exibem retirando-lhes a dignidade, quando às vezes a alguns é só mesmo isso que resta.

25.9.12

ESQUECER

Com o início do ano letivo e aproximando-se a altura das associações de estudantes se irem organizando para eleger direções em algumas escolas secundárias é comum, e na minha opinião muito saudável, ver as “jotas” a fazer campanha, ainda que quase sempre seja bastante discreta. Esta de que vos vou falar anda a distribuir horários que os alunos podem preencher para não se esquecerem da hora e das salas das aulas a que devem assistir. Esquecer é o verbo que eu quero declinar, a propósito deste papelinho-lembrete.
Nas costas do horário, vê-se um jovem pouco jovem, dormindo a sono solto num sofá e em letras bem legíveis, para além do símbolo daquela juventude partidária, a mensagem «levanta-te do sofá e vem fazer alguma coisa por ti e pelo teu País!». Primeira observação: não me parece de muita perspicácia dirigirmo-nos a quem queremos cativar com um insulto, ainda que disfarçado de piadola. Mas, enfim, como os sentidos de humor são vários, a carapuça servirá a quem a queira e se esta jota começa já com o discurso de geração anterior e prega raspanetes aos seus pares é porque lá sabe o tipo de formação com que quer contribuir para engrossar as suas fileiras. Lembro-me quando nos primeiros anos do meu filho mais velho naquela “secundária” de haver um grupo de alunos, e que julgo terem sido depois membros ativos da associação de estudantes, que iam de véspera dormir em sacos-cama à porta da escola, juntando a irreverência da forma com a justeza do conteúdo, traduzida na vontade de chegar à escola antes de todos os outros.
Mas seguindo a leitura daquele horário propaganda, debaixo da grelha a preencher lê-se em letra miúda a seguinte “pérola” que eu intercalarei com breve comentário: «Portugal enfrenta uma das mais graves crises de sempre», verdade que anda na boca e no bolso de toda a gente, «e os mais afectados somos nós, é a nossa geração», comentário acertado para quem queira acirrar guerras contra os “velhadas”, o que fica sempre bem no ano da solidariedade entre gerações. É o acordar dos espíritos fazendo o discurso corporativo de defesa dos pares, a que nada há a acrescentar, se não for cair na mão do pai ou mãe desempregados, a lerem e a acharem que esse futuro negro já chegou. E continua: «Durante anos hipotecaram os nossos sonhos e comprometeram o nosso futuro.» Quantos anos? Os da democracia? Estaremos nós a assistir à institucionalização por parte de uma estrutura partidária de um discurso, até já ouvido na assembleia municipal do nosso concelho, da democracia como culpada da atual crise? Cá estamos nós a ver mais uma investida de quem tem no seu calendário, horário ou agenda fazer esquecer tudo o que nos trouxe a revolução e consequente implantação da democracia num país em que se houve avanço inegável na sociedade, nestes últimos 38 anos, foi precisamente na Educação. Depois lá vem o apelo à ação: «Chegou a altura de dizermos presente», ainda que o textinho esteja em ortografia já a caducar com a paulatina introdução de novo acordo, mas também aqui as opiniões divergem e podemos sempre ver resistência à modernização nalguns jovens…
Por fim com um inquestionável «Estuda, aplica-te!» vem a chamada ao patriotismo: «Não só por ti, mas também pelo nosso país. Portugal conta contigo!» E é nesta altura que qualquer jovem de mente mais acordada pode devolver a pergunta: «E eu, posso contar com quem governa Portugal?».

18.9.12

Agir

De regresso a mais uma série de crónicas da Diana, quero começar por vos dizer que larguei os provérbios populares como coreografia destes meus contributos no espaço de opinião que aqui, tão gentilmente, me é cedido e que os ouvintes, pacientemente, quiçá vão acompanhando. Não quer isto dizer que de quando em vez não meta por aí um provérbio a jeito, mas parece-me mais desafiador  ir mudando alguma coisa na forma, já que no conteúdo, que é como quem diz na maneira como vou olhando o mundo, poderão continuar a contar comigo igual a mim mesma.
De qualquer modo, e porque gosto de ter também na forma e no figurino alguns pontos fixos que me ajudem a alinhavar as ideias antes de vo-las transmitir, inspirada no programa televisivo de canal ainda público, o «5 prá meia-noite», onde encalhei algumas vezes neste verão, vou passar aos verbos. E como os verbos, aprendemos nós na escola, são ação, o primeiro que escolhi para hoje foi o verbo AGIR. Um dos mais irregulares verbos da língua portuguesa, por sinal. Alguns dirão que mais do que me ouvir falar do verbo agir devo passar à ação e fazê–lo desta ou de outra forma, mas olhem que para quem não tem tido um tostão, o que normalmente para muitos desses agir quer dizer – dar mais dinheiro para isto ou para aquilo – até acho que não tenho agido pouco, nem a meu ver, claro, mal. Só que destas minhas ações no presente do indicativo, se os resultados mais imediatos poderão parecer para quem costuma viver no pretérito imperfeito (havia mais dinheiro, pois havia) negativos, julgo que no futuro permitirão um conjuntivo (quando houver mais dinheiro) melhor.
Mas voltemos ao verbo AGIR. Agir implica sempre uma enorme responsabilidade, já que só não erra quem não faz nada e por isso agir, ou seja, fazer alguma coisa é sempre correr um risco. Também me parece verdade que agir pressupõe sempre uma ação positiva, não no sentido de bem ou mal feito, mas no sentido de construir algo. O contrário, evitar que se faça algo, poderia ser traduzido pelo verbo REAGIR. Ao contrário do que dá a entender, reagir não é agir duas vezes ou voltar a agir, mas antes e normalmente, agir em razão de uma ação anterior.
Nesta rentrée conturbada do nosso país o agir de uns tem feito alguns reagir de forma inesperada. Falo dos discursos que precedem o agir do governo no futuro próximo dos portugueses (e que é no fundo um reagir à crise) e falo dos discursos daqueles de quem menos esperávamos a reação que tiveram. Dos outros, os que reagem sempre ou em que o agir parece ser sempre o reagir, já não nos vem novidade e perguntamo-nos mesmo se um dia não fosse preciso reagir e apenas agir como fariam e se fariam algo com melhores resultados…
Bem, apesar das redes sociais, apesar das grandes tiradas chocantes para alguns que até veem neste discurso reativo uma espécie de usurpação de um território exclusivo, apesar de tudo isto confesso que também eu, como provavelmente a restante grande maioria dos 10 milhões de portugueses que não reagiu verbalizando em redes sociais, estaremos tão expetantes com este ano que se inicia agora como qualquer criança que entra pela primeira vez na escola. Entre o medo dos chumbos e as incertezas do que o final do percurso nos traz, nas mãos deste ou daquele que nos oriente, a certeza do que é ser um bom aluno, como o de ser um bom cidadão, vai depender daqueles momentos em que sem ajudas, nem cábulas, nem consultas, conseguirmos responder ao desafio da vida e agir para vivê-la.  E aqui “salta-me” a célebre frase de Kennedy, «não perguntes o que pode o teu país fazer por ti mas o que podes fazer pelo teu país». A isto já alguns tiveram de responder saindo do país. Espero, muito sinceramente, que não seja esta a resposta certa que nos peçam para continuar a dar.

11.7.12

Cada um é como cada qual e cada qual é como é

E chegamos hoje ao fim desta minha segunda série de crónicas semanais que a Diana tão gentilmente me proporciona. De pausa para férias de verão, marcadas sobretudo pelo calendário académico, o tema que vos trago tem a ver com o sururu dos últimos dias sobre diplomas mas numa perspetiva mais lata que é o das formas de tratamento em sociedade entre nós criaturas humanas. E foi por isto que escolhi para esta crónica um provérbio humano dos mais redondos que há, porque dizendo tudo não diz nada, mas sobre o qual poderíamos ficar horas numa noite quente de verão a dar voltas ao mote… Diz então o provérbio que «cada um é como cada qual e cada qual é como é».

Voltemos às formas de tratamento e aos diplomas académicos, e ao que eu penso sobre o assunto e gostava de partilhar convosco, senhoras e senhores, estimadas e estimados ouvintes e eventuais leitores, que pela vossa paciência me merecem o maior dos respeitos, sabendo ainda para mais que se não fossem os senhores e as senhoras esta crónica não era crónica mas apenas uma série de sons e letras a pairar na nuvem das comunicações.

Comecemos pelos diplomas. Normalmente, e em primeiro lugar, obtém-se um diploma como sinal de conclusão de alguma coisa, às vezes com avaliação, outras só com participação, mas sempre depois de se ter aprendido alguma coisa. Depois usa-se o diploma para atestar que se tem esse conhecimento quando este conhecimento é chamado para ser posto ao serviço de determinadas competências, normalmente técnicas, no desempenho de uma profissão, onde para além da técnica, e é prática que tem vindo a desenvolver-se, muitas outras características muitas vezes também contam e são, mesmo, imprescindíveis: relacionamento interpessoal, capacidade de expressão e comunicação, cordialidade, pontualidade, empenho, etc., etc. Acontece, porém que num país em que a educação só chegou a todos vergonhosamente tarde, nos tornámos a todos, como povo, numa espécie de novos-ricos neste assunto. Porque a educação é, de facto, uma riqueza, não só individual mas também social. E assim como fica mal andar a esfregar a riqueza na cara uns dos outros, porque fica, o mesmo é válido para o título académico. O caso do ministro Relvas é também claramente um caso de título e de forma de tratamento, que não pode nem deve servir para desvalorizar o estudo e a formação das pessoas, como aliás fez o grupo de correligionários do ministro e ele próprio, em relação aos programas de novas oportunidades e outras validações de competências numa lógica de aprendizagem ao longo da vida. Relembro que os exames ad hoc, que são agora conhecidos por M23 também são e, desde há muito, uma oportunidade para prosseguir estudos.

Posto isto, tenho a acrescentar que é uma convicção minha e digo-o em qualquer lado que doutores há muitos (felizmente), senhores é que é mais difícil encontrar. E que se o título académico é como um sacramento para o resto da vida, a qualidade de senhor ou senhora é algo que se tem de provar constantemente, sem direito a equivalências, porque não as há. Certo é que, por uma questão de educação (não de instrução) e até provas em contrário, qualquer cidadão deverá à partida ter igualdade de oportunidade de receber tal tratamento.

Desejo um bom resto de verão a até setembro, se tudo correr bem.   

6.7.12

Pai com frio, filho com cobertor

Sempre fiz parte ativa das diferentes comunidades educativas por onde passaram os meus filhos, através das diferentes associações de pais e encarregados de educação, até quando na creche e jardim-de-infância tal associação não existia mas onde era hábito os pais fazerem parte de direções e restantes corpos sociais. E tenho ainda reunido, nos últimos quase três anos com vários representantes destas associações que mostram, em meu entender, um cada vez maior envolvimento dos pais na vida escolar dos seus filhos. Um evidente progresso de abertura da escola aos pais, e do inverso também.

Tenho tido, por isso, oportunidade de olhar de um outro ponto de vista para estas associações. É que tratando-se de membros de associações por períodos de tempo relativamente curtos, é natural que também queiram ver os problemas que encontram resolvidos o mais depressa possível, em tempo útil, para que os seus educandos sejam ainda beneficiados. É que, como diz o provérbio, «pai com frio, filho com cobertor». E é com imenso gosto que me tenho apercebido de que também muitas das posturas de exigência de direitos estão a ser substituídas por vontades expressas de participação, de ajuda, de forma absolutamente voluntária.

Este voluntariado na comunidade escolar cria uma coabitação a meu ver saudável, um verdadeiro convívio intergeracional e espelha uma consciência de parentalidade que passa para as mãos destas associações o papel de autênticas «escolas de pais» informais, espécie de nova oportunidade para partilhar competências que sendo obviamente individuais serão sempre validadas por práticas comuns e de sucesso provável. É que as crianças, pelo menos até aquela idade da adolescência em que ao “adolescerem” os jovens já se acham mais adultos do que crianças, gostam de ver os pais envolvidos na sua vida escolar, sem ser apenas para ouvir queixas de maus comportamentos ou outras más notícias.

E mais acrescento que mesmo a criação de órgãos como o é o conselho geral, instituído no 17º governo constitucional, pela então ministra Maria de Lurdes Rodrigues, onde os pais estão representados, não desalentaram a sua organização em associações de pais e encarregados de educação. A participação cívica também passa, e muito, por aqui ainda que limitada aos que preenchem a condição de encarregados de educação. E porque ali estão, nas associações, confrontando os tais interesses individuais uns dos outros, confrontando-se com o interesse de um coletivo e com os interesses das escolas e dos professores, aprende-se que muitas vezes não sendo viável o desejado, será exequível pelo menos o possível. E isso é ver o mundo numa perspetiva mais ampla, menos a partir do seu umbigo, antes encarando-o dignamente à altura dos olhos.  

28.6.12

Promessa é dívida - É mais fácil prometer que dar

Por várias vezes tenho ouvido conversas que questionam sobre o como é que a crise está a parar as coisas. Parece que há um sentimento generalizado de que tudo continua na mesma, sobretudo nos grandes eventos de massas. Eu cá no meu bolso e na minha vida de vereadora deparo-me com ela todos os dias e não é só desde de 2011. E convivo com as suas vítimas, resistentes e resilientes, desde há largos meses. Havendo alguns que parecem já estar mais para lá do que para cá e aparentemente conformados, outros há que a recebem com choque ao primeiro embate. É como se fosse a diferença entre a dor crónica e a dor aguda, sendo que a dor crónica se agudizou. E o embate teve a ver com a legislação, que é aquilo que os técnicos em leis fazem sob orientação dos políticos, e com a chamada “lei dos compromissos”. Sobre compromissos não encontrei nenhum provérbio, mas sobre promessas há uma chuva deles e cheiinhos de razão. É que a lei dos compromissos veio mesmo impedir uma enorme quantidade de promessas que se podiam fazer, e em muitos casos, com muito ou pouco atraso, cumprir. E não é que mesmo quem diz que os políticos só prometem, quando eu agora venho dizer que não prometo, não porque não queira mas porque não posso, há quem leve a mal! Também é verdade que os recém impedimentos trouxeram ao conhecimento práticas e procedimentos que muitos, se não a esmagadora maioria das pessoas, desconheciam. Opções de políticas de incentivo, que se deram como direitos naturalmente adquiridos, sobre os quais não se faziam contas, e que agora já não podem ser opções, são mal interpretadas como uma não vontade de apoiar. É o caso particular do nosso teatro municipal.

Equipamento “tão” patrimonial como o é a nossa cidade de Évora, o “Garcia de Resende”, onde reside uma companhia que tem ao longo dos anos também prestado serviço externo aos espetáculos aí realizados, serviços pagos depois pelo município (sempre com dificuldades e, em meu tempo de vereação, com grandes atrasos), mesmo os que são realizados pela própria companhia, vê-se agora comprometido na sua utilização. Serão não só algumas condições de segurança, cujas melhorias se preveem em projetos para os quais não há dinheiro para tirar das plantas, mas também com o pagamento desses serviços técnicos que cada ensaio e espetáculo exigem. Não podendo, nem querendo aumentar a dívida para com esses prestadores de serviços, qualquer promessa que assuma um compromisso de pagamento não passará nunca de uma daquelas que enchem o inferno. E é por isso que quando houver pedidos para a utilização do teatro por parte de entidades que desde sempre se habituaram a que lhes fosse cedido sem “mas”, lá teremos que responder que, e cito-me «Face aos constrangimentos financeiros que atravessamos, e não querendo inviabilizar a cedência deste equipamento municipal, mantém-se a intenção de isentar do pagamento de taxas de ocupação a associações e outras entidades de reconhecido mérito. A Câmara Municipal de Évora passará, no entanto, a cobrar os valores acima indicados, de forma a pagar esta prestação de serviços». Tudo isto me faz lembrar um procedimento de há alguns anos e que eram aqueles dois preços nas embalagens dos medicamentos: o preço total e o da comparticipação pelo estado, vulgo com receita médica.

E é também assim que esta crise vai deixando mossas na vida pública, quando já nem «prometer é mais fácil do que dar», quando as «promessas são só as de Cristo», quando «prometer é uma maneira de enganar», quando «prometer não é dar, mas a tolos contentar». E quando os únicos conselhos que posso ouvir dizem que «de promessas quem vive é santo», que «mais vale não prometer do que prometer e faltar» ou o assisado «promete em dúvida, que ao dar ninguém te ajuda». Inegável.

19.6.12

Tristezas não pagam dívidas

E aí está mais uma feira de São João. Sempre achei que gostaria de saber mais sobre esta feira que acompanho há 22 anos, mas da voz dos vivos e não apenas de artigos de cariz historiográfico ou etnográfico onde, claro, também se aprende muito. E tenho vindo a sabê-lo, da memória de pelo menos duas gerações: a minha e a anterior à minha. Mas como em tudo, até no mero relato do que é a vida em época da feira, a memória é seletiva e, felizmente, sobretudo ligada ao que era bom, eventualmente, até muito melhor do que é agora. O que também não é de admirar, porque quem começa a ter mais passado que futuro terá, natural e humanamente, uma nostalgia a influenciar-lhe adjetivos e verbos que usa para descrever e narrar a vida e o mundo.

O último texto com referências históricas que li sobre a feira reportava-se ao regimento da mesma, publicado em 1700. Uma espécie de edital da altura. E pasme, quem como eu não sabia, que ainda que tendo sido criada como uma feira franca, provavelmente em 1575, isto é uma feira onde nem os vendedores nem os compradores teriam de pagar portagem e impostos, a propósito do tal regimento do início do século XVIII se diz que «quanto às taxas a pagar pelo terrádego, estas variavam não só quanto às dimensões das tendas, mas também quanto aos objetos que estavam à venda». O que se passou naqueles 125 anos deve seguramente explicar esta alteração. Outro dado interessante foi o de que as feiras francas tiveram o seu auge no reinado de D. Dinis (séc. XIII-XIV) e que, durante o período das feiras existia uma paz especial, a chamada "paz da feira", que proibia todos os atos de hostilidade, sob severas penas, não hostis ou eventualmente aplicadas depois deste período, em caso de transgressão.

Mas continuando, o que eu gostava mesmo era de ter tido ecos de como teriam sido as feiras de São João entre 1914-18, ou entre 1939-45, períodos das duas grandes guerras e respetivos pós-guerra. É que me sinto, de facto, por vezes a entrar em momento semelhante a esses…

Sendo feira sinónimo não apenas de comércio mas também de lazer e divertimento, sendo a dívida o nosso inimigo, nesta espécie de guerra que vamos levando todos os dias esta poderá ser a semana da tal “paz de feira”, até porque se «tristezas não pagam dívidas», pode ser que as alegrias as enganem.

Divirtam-se e sejam felizes na feira.

13.6.12

Todo o burro come palha, é preciso é saber dar-lha

Tenho assistido nos últimos tempos a várias "autoflagelações" de cidadãos que decorrem da indignação e da busca em tentar que não se lhes corte, pelo menos, o direito à opinião e a uma voz que se faça ouvir. São palavras que utilizam muitas vezes o burro, esse simpático animal, como termo de comparação de um povo composto de cidadãos que se deixam enganar ou preferem fechar os olhos a algumas coisas, sabe-se lá por que razões, mais ou menos pessoais, mais ou menos comodistas.

Coincidiu esta minha reflexão ainda com uma entrevista ao ex-selecionador da Equipa Nacional de Futebol a propósito do «e o burro sou eu?» que deu origem a uma rábula popular dos ainda famosos «Gato Fedorento» e quase passou a ser expressão idiomática nacional. Dos vários provérbios sobre o pachorrento e meigo animal, este - «Todo o burro come palha, é preciso é saber dar-lha» - foi o que mais me intrigou, não só se a tomarmos literalmente, mas também se substituirmos por analogia o animal pelo Homem.

Começando pelo animal em si, sempre julguei que a palha fosse um alimento das preferências do burro, o que não implicaria grande sabedoria no saber-lha dar. Nas minhas pesquisas fiquei a saber, então, que não era bem assim. Dizem os entendidos que o burro é um animal herbívoro que come erva fresca e grãos, mas, quando estes alimentos escasseiam, aceita comer a palha misturada com grãos ou mesmo a palha sozinha, apesar do seu menor valor alimentar. E foi aqui que eu percebi como com os humanos a coisa é mesmo ao contrário. Se não, vejamos.

Enquanto o burro aceita comer palha quando há escassez de alimento, os humanos vão aceitando “comer palha”, entre aspas claro, mesmo na abundância: nunca pedindo faturas; nunca conferindo contas de supermercado; nunca reclamando através dos meios legais, mas sim em conversas de corredor ou similar; nunca procurando as taxas mais baixas dos serviços das contas bancárias ou os juros mais altos dos depósitos a prazo; enfim, e uma data de “deixa andar” de que muitos de nós, que agora nos achamos conformados demais, nos devemos arrepender…

Para além do desespero que as pessoas começam a sentir na pele, sobretudo aquelas que viviam mais ou menos desafogadamente até agora, há uma espécie de sentimento que nos leva a culpar um passado, esquecendo que nem tudo o que se fez antes pode ser motivo, desculpa ou o que quer que seja para os erros que se cometem agora e que nos deprimem ainda mais. E quanto mais nos formos dando conta de que devíamos ter sido teimosos como burros e não mansos e pachorrentos, comendo a palha no meio da erva fresca, mais vamos aceitando como nossas, ou querendo achar que são só mesmo nossas, as culpas que, mesmo estando lá, não desculpam que alguém continue a saber como nos enganar com ela.

E é também por tudo isto que devemos aproveitar esta nossa atenção forçada (será esta a oportunidade aberta pela crise?!) para também não nos deixarmos levar por “outras palhas” que vivem do nosso descontentamento, não nos chegando a contestação, mas exigindo a proposta alternativa que não nos leve à escassez da erva fresca e dos grãos. E, sim, continuo a gostar dos burros, mesmo da sua teimosia, até porque um teimoso nunca teima sozinho!

5.6.12

Mais vale ir, do que mandar

Vai começar mais uma saison de patriotismo com duração limitada mas incerta. Refiro-me à febre do futebol que assalta todos os meios de comunicação, divulgação e publicidade quando a Seleção Portuguesa de Futebol faz as malas para jogar fora em campeonato maior. São momentos em que as massas, sobretudo as mais adeptas mas não só, esquecem os seus pequenos problemas enquanto dura a esperança de alcançarmos reconhecimento através de uma seleção de desportistas que se transforma na parte pelo todo que é Portugal. Mesmo não sendo adepto do desporto ou da euforia à volta dele, é incontornável que não nos identifiquem os outros, os estrangeiros, com esta febre futebolística.

Ora os criativos da publicidade sabem isso muito bem, e qualquer produto que se queira bem vendido sê-lo-á sempre melhor se se colar à ocasião. Foi precisamente ao ouvir o anúncio de uma marca de gasolina que utiliza até a máxima dos Três Mosqueteiros do Dumas, que até eram quatro, arriscando-se a confundir-se com outra marca desta feita de uma cadeia de hipermercados, mas isto era se o público conhecesse de ginjeira o Dumas e as suas personagens… Foi ao ouvir uma leitura em voz alta (atividade de que gosto imenso) de uma carta aos jogadores da Seleção Nacional de Futebol por um jovem adolescente que parei para pensar melhor nesta coisa de mandarmos os outros fazerem boa figura por nós.

É certo que, também tomada como muitos pelo desalento da derrota da nossa equipa, às vezes dou comigo a dizer-me que tão bons jogadores em equipas “privadas”, assim que são chamados a funcionários públicos da seleção nacional parecem tomados de uma falta de empenho inconcebível. Mas pronto, é um desabafo pontual, que rapidamente esqueço, porque sei que jogo é jogo, mesmo com muito empenho e trabalho. E também é por isso que aquele discurso de que está nos pés daqueles homens (ainda para mais só essa parte da humanidade…) o futuro da Nação me parece de uma injustiça enorme para a rapaziada.

O apelo do jovem para ficar no país a realizar o seu sonho, quando muitos dos 22 convocados a quem se dirige andarem a fazer pelas vidas deles lá fora; a ideia de que é derrotando outros que vamos ser um exemplo, o que me parece tão mais próximo de um espírito guerreiro do que de um espírito construtivo e empreendedor, em que o facto de jogarem bem e lá estarem entre os primeiros é já façanha a destacar; e, acima de tudo, pôr no futebol a saída de uma crise que é muito mais de “outros futebóis” parece-me, para além de muito populista, injusto para os jogadores e treinador. Até parece que foram eleitos e estão sujeitos a algum escrutínio constante por parte de quem os elegeu… Aquilo é só futebol e desporto! Se ganharmos será muito bom, mas saber perder também se aprende na escola, nos clubes, nas associações. Palavras de incentivo sim, tanta responsabilização parece-me que é querer passar a bola e já não ter nada a ver com ela…

Se assim fosse, como o textinho, semelhante a carta ao Pai Natal, faz acreditar, a Grécia, equipa vencedora do 2004 ou a Espanha, campeã em 2008, não teriam sido as salvadoras proféticas daqueles países que estão como estão? Crise é política, campeonato é futebol. Por muito que todos nos devamos sentir, porque estamos mesmo quando dela nos demitimos, incluídos na política, no Europeu de Futebol somos meros espetadores de uma equipa de futebol.

De qualquer modo, só posso desejar que a equipa nacional jogue bem e que tenha, como em qualquer jogo, boa sorte.

31.5.12

Não se pode julgar um livro pela capa

Como na semana passada me “estiquei” no tamanho da minha crónica, desta vez prometo ser breve e inseri-la no evento que conseguimos, CME e Livreiros, ainda este ano levar a cabo em Évora: a Feira do Livro.

Este certame tem em Portugal um público muito especial e muito, digamos assim, elitista. Porque de facto os consumidores de livros são uma minoria dos portugueses e, desta forma, organizar insistentemente feiras do livro é uma espécie de tentativa para que a aquisição e a leitura de livros passe a ser, pelo gosto e pelo hábito, uma atividade mais de todos. 

Ao contrário das duas grandes feiras do livro em Portugal – em Lisboa e no Porto – aqui em Évora, e provavelmente noutros concelhos do país, as feiras têm um orçamento exclusivamente municipal. Desde o aluguer da tendinha à programação da animação, desde que entrei para cá de vereadora em altura de penúria, temos “feito oitos com pernas de nove” para continuar a realizá-la.

Todos sabemos, ou pelo menos imaginamos, que o negócio de um qualquer livreiro seja muito mais feito pelo amor ao livro, à leitura e aos leitores do que propriamente para enriquecer. Daí que algumas das livrarias da cidade comercializem outro tipo de produtos que ajudem a equilibrar o pouco que “dá” esse amor ao livro de pura leitura por prazer. Também por isso, e ao contrário das outras feiras das capitais, os livreiros não pagam nada para que, durante aquele tempo que dura a feira, tenham a sua montra e o seu balcão na praça mais concorrida do Concelho. Não pagam nada que é como quem diz… têm um trabalho danado que, se calhar, lhes custa os olhos da cara, lhes tira horas de sono e como está na moda laranja, mas de casca pouco fina, dizer-se, lhes sai do lombo.

E é por isso que a única maneira de irmos levando estes esforços adiante tem sido fazê-lo em conjunto, o que em abono da verdade só descobri depois da primeira que organizei enquanto vereadora, dando ouvido a outra parte, se calhar a minoritária, que via numa outra localização da Feira do Livro uma mais-valia. Serão aqueles, os muito bons leitores e eventualmente tão bons compradores de livros que, se calhar nem precisam de Feiras para nada. Que eu sou uma leitora dessas, é verdade. Que alguns dos livreiros viam outros locais que não a Praça com bons olhos também é verdade. Que eu também gostava de deslocalizar a Feira e levar leitores e compradores de livros a outros largos ou ao jardim público também continua a ser verdade. Não digo que nunca que não apoiarei outro modelo, outra versão, mas terá sempre de ter uma muito maior participação e empenho dos envolvidos e interessados, sendo os munícipes uma grande parte interessada. E estando consciente que jamais agradarei a todos, é com todos que trabalharei para manter este evento de promoção do livro e da leitura e, já agora, do comércio do livro. O que o caro ouvinte pode fazer por isso? Ir à Feira, pegar nos livros, abri-los, ler excertos, contracapas e badanas, e falar com os livreiros sobre eles, porque como diz o provérbio «não se pode julgar um livro só pela capa».

23.5.12

A açorda faz a velha nova e a nova gorda

Hoje vou responder a um texto de outro cronista que esta nossa Rádio Diana tem a gentileza de colocar no ar, dando-nos a cada um de nós um tempo de antena com que semanalmente entramos pelas vidas dos ouvintes que fizerem a também vossa gentileza de nos escutar.
Bem sei que o colega é um cronista 3 ou 4G, isto é, de uma geração de comunicadores que consegue fazer pela sua vida de cronista e requentar a sua crónica em mais do que um suporte de comunicação social e eu me fico, por opção entenda-se, o que não é uma queixa, pela Diana e pelos meus meios de comunicação pessoal e não social, como os muito meus blogue e perfil de Facebook. O que também não é de admirar porque o colega cronista é representante de um Partido político que é especialista e fértil a colar cartazes em várias paredes. Pois onde eu vi este comício, perdão este texto, foi até em jornal semanal da terra de distribuição gratuita, ainda que estranhamente em formato muito mais de notícia do que de crónica, mas isto também é opção legítima do jornal, opção que estou obvia e sinceramente longe de criticar. Aliás, para os mais atentos às notícias, aqueles que fazem clipping e não jogging como ouvi dizer com piada a um deputado do tal partido que gosta de colar cartazes, mesmo não fazendo clipping regularmente, é mais do que evidente como o executivo municipal de Évora está longe de ter lugar cativo em qualquer imprensa escrita da região; infelizmente até com prejuízo da informação e comunicação ao público, que poderia disfrutar do excelente trabalho feito pela autarquia, pelos seus técnicos e funcionários empenhados, em detrimento da crítica negativa que, essa sim, é veloz como o vento. Mas isto deve ter a ver com uma certa propensão do Partido pelo qual me candidatei em não tomar de assalto órgãos de comunicação social. É que no poder ou na oposição nunca vi Partido tão alvo de tanta notícia facciosa (às vezes nem é preciso a notícia, bastam os títulos) como o Partido Socialista. Mas isto a mim até me descansaria enquanto cidadã sem militância, porque seria sinal que, não sendo os socialistas enquanto pessoas nem melhores nem piores do que os comuns mortais, têm pelo menos a decência de não ter por hábito comprar imprensa. Mas adiante.

A crónica tinha a ver com açordas. Como eu nunca gostei daquele número de palhaços em que voam tartes de uns contra outros, acho que nesta “troca de açordas” me vou mesmo ficar pelo número de hoje. Claro que eu percebo que estando eu no Poder e o cronista na Oposição, eu seja um alvo fácil – grande e larga que sou, para usar com o adjetivo” larga” um eufemismo que é liberdade poética, ou melhor prosaica! É que o que faço no Poder terá repercussões diretas, mais cedo ou mais tarde, na vida das populações, e muito do que faço às vezes é acrescido do difícil caminho que é feito pelo constante trabalho de Oposição que encontro em muitos lugares de remuneração pública e não em quem assume o cargo de opositor político legitimado. Não contesto em nada o trabalho dos eleitos pela Oposição, entenda-se, só lamento muitas vezes a efabulação de propostas ou o populismo de soluções que, também mais cedo ou mais tarde, se repercutiriam, caso implementadas, na vida das populações, se é que muitas delas não reverteriam apenas para uma “clique” de adeptos, dando eu desde já o benefício da dúvida.

Mas voltemos à açorda e à crónica que contesta o facto de ter eu dado a volta a meio mundo para falar dela, o que levantou no cronista oportunidade de fazer brincadeira jocosa e irónica quanto ao que eu disse lá na Coreia do Sul e que ele não ouviu.

É que, a convite da organização do Congresso da Associação Internacional das Cidades Educadoras, lá viajei quase 24 horas para lá e outras tantas para cá, única despesa paga pela Câmara Municipal já que estadia e inscrição foram oferta, por ser vereadora, levando a representantes de várias cidades do mundo inteiro o Projeto Educativo do Património de Évora. Há dois anos atrás, o congresso equivalente, realizou-se na América do Sul e o tema tinha a ver com Desporto. Tendo eu acabado de chegar ao executivo municipal, não tendo os técnicos mostrado particular interesse em propor uma comunicação e não havendo promoções, isenções nem outras simplificações orçamentais, foi opção a Câmara de Évora não ir. Este ano foi diferente, já que até ganhámos o lugar por eleição, neste mandato, na Comissão de Coordenação da Rede Portuguesa das Cidades Educadoras. E sim, é grande o empenho do executivo em fazer acontecer um conceito que herdámos, só mesmo enquanto conceito.

A açorda foi metáfora não de sustento mas de sobrevivência, que é o que Portugal e os Portugueses têm estado a tentar fazer ultimamente, e que os alentejanos já conhecem desde tempos imemoriais. A açorda, na sua base, não distingue classes sociais, e tanto vai à mesa do pobre que lança mão ao que a terra lhe dá para comer, como à do rico que a enfeita de cores e sabores e se delicia, porque a açorda é mesmo deliciosa. Essa criatividade alentejana que está na alma boa daqueles com quem convivo há mais de 22 anos e que importa que ninguém desconheça e que os meus filhos, alentejanos, aprendam.

O tema do Congresso, como bem leu o cronista, falava de educação criativa sim, e foi também de forma programática ao encontro dos Objetivos da Década da ONU no que respeita à Educação para o Desenvolvimento Sustentável. A açorda foi o tema que Évora levou para falar de um todo – o seu Projeto Educativo em construção – e de várias partes, que são algumas das iniciativas que se desenvolvem em torno do que a terra nos dá e os alentejanos, na sua tradição, conservam, acrescentam e transmitem. A açorda em forma de metáfora foi inclusivé dada a conhecer ao Conselho Municipal de Educação que sugeriu com graça que, não podendo nós irmos em comitiva como foram outros municípios, como por exemplo Almada, levasse os ingredientes para uma espécie de showcooking. E confesso que teria sido um acepipe para os congressistas ocidentais, ou pelo menos os portugueses, que durante os quatro dias de congresso se contorceram com os sabores coreanos, prevendo que na extensão de curtas férias que alguns aproveitaram para fazer já que tinham ido até tão longe, não se livrassem de a alternativa às refeições ser num Mac Donald’s. Eu cá, como só fiquei nos dias em que o governo coreano me deu abrigo, comi assim que cheguei um cozidinho que me soube melhor do que nunca.

Mas voltemos à açorda, que incomoda tanto quem reclama para a sua organização partidária, que esteve no poder 27 anos, a integração do Concelho na rede das Cidades Educadoras. Deste assunto até já vos falei aqui, há um ano atrás. Como diz o provérbio português, «a açorda faz a velha nova e a nova gorda». Eu, nova, só no cargo de vereadora, já a integração na Rede das Cidades Educadoras, como realça o cronista, é do século passado e, por isso, velha de 12 anos. Se o cronista julga que aderir a esta Rede é assumir que já se é uma Cidade Educadora é porque não lhe explicaram bem como ela funciona. Na Rede das Cidades Educadoras não basta querermos ser, temos que o trabalhar em áreas muito diversas para o sermos, além de que as Cidades se constroem enquanto Educadoras também naquilo que os eleitos pela maioria dos seus munícipes definem como estratégias. Em Évora, na Câmara Municipal, há no presente técnicos afetos ao cuidar desta atenção, um deles até usando horas do seu trabalho enquanto funcionário para a sua formação académica nesta mesma área.

Os frutos deste investimento não se colherão amanhã, mas julgo que insistindo, estrategicamente, em várias áreas de que não vos cansarei agora em elencar, a Cidade será educadora quando todos souberem que, para além dos que elegeram assim a desejarem, se for construindo com todos os cidadãos. E agradeço ao cronista ter dado a conhecer a mais alguns esse facto. Quanto à sugestão de fazer desdobráveis para as caixas do correio, isso de distribuir panfletos e colar cartazes é verdade que também pode ser educativo. Mas já agora, pode ir-se dizendo aos jovens munícipes de uma jota bem conhecida que papeleiras de rua e caixas de eletricidade pública já não são lugares de afixação de anúncios, pois a democracia permitiu-nos conquistar também esse espaço próprio. Bem como as paredes pinchadas que enfim… São velhas técnicas que não convém que engordem antes que, educadamente, se remoçem!