26.1.16

Papagaios Sem Penas 1

Esta crónica, que terá três partes, resultou da leitura de vários artigos de opinião, que nas duas silenciosas semanas de campanha para as presidenciais me entretiveram, e que versaram sobre medidas tomadas pelo Ministro da Educação na sequência do fim do exame da 4ª classe deliberado na AR. Sendo um assunto que conheço relativamente bem, de várias perspectivas, fiquei sobretudo interessada pelo pouco que esses artigos que fui lendo disseram sobre Educação e o muito que dizem sobre o posicionamento no mundo e no jogo políticos e que, até certo ponto, ainda tenho esperança que uma nova geração de cidadãos eleitores e eleitos, ao fim de 40 anos de Democracia, vá mudando. É claro que esta espécie de foco mais no embrulho do que no conteúdo não deixou de me levar à habitual citação de Vergílio Ferreira, que eleva a máxima popular que diz que uma mentira muitas vezes repetida se pode transformar numa verdade. Escreveu o autor português o seguinte conselho a transbordar de ironia: «Afirma com energia o disparate que quiseres, e acabarás por encontrar quem acredite em ti.»
A referência ao papagaio, e que foi feita por António Barreto para desancar no próprio Ministro, metaforizou, de forma óbvia para além do insulto, aquele que fala sem saber o que diz e sob as ordens de alguém. Mas não foi o único a desancar, este ex-ministro socialista de duas pastas do I Governo Constitucional, que pôs termo à Reforma Agrária (não sei se com as cautelas de interromper a meio colheitas ou sementeiras, mas com pouco cuidado a precaver que antes de o fazer se pagassem todas as indemnizações aos lesados que nunca as viram), que tinha sido militante comunista entre 1963 e 70, mas também ex-apoiante da Aliança Democrática de partidos da direita nos anos de 79 a 83. Foram outros, também, que do alto do seu estatuto etário vieram à liça. Destaco só mais dois. Vasco Pulido Valente, de quem inadvertidamente conheci sórdidos detalhes da vida íntima já que a Maria Filomena Mónica, por sinal actual mulher do António Barreto, quis fazer o favor de contar num romance autobiográfico intitulado Bilhete de Identidade; o mesmo opinador de quem um seu colega de debates numa rádio nacional uma vez disse, que eu ouvi, que a ele só lhe importavam três pessoas e três opiniões neste país – as do Vasco, do Pulido e do Valente. E veio também um perito encartado em pedagogia, como tantos outros que há em qualquer instituição acreditada de formação de professores, de nome Santana Castilho e que zurziu e zurzirá sempre em qualquer Ministro da Educação que…não seja ele próprio.
Todos os outros comentários, que fomos ouvindo por aí depois destes artigos, resultaram muito mais de terem encostado o ouvido a estes, do que da leitura da proposta do Ministério. Os comentários anteriores, algo atrasados relativamente ao anúncio pela AR da proposta do fim do dito exame, revelam, na minha opinião claro, essa relação entre governo e oposição e as reacções que desencadeia aos que fazem pelos que querem que nada se faça porque eles é que já tinham feito. Parece difícil de perceber, mas não. É que não vá a coisa correr bem e melhorar, pelo que mais vale ir minando logo à partida a coragem dos que se atrevem. Crato teve as costas quentes por uma ideologia inequívoca para recuperar o velho exame da 4ª classe. Tiago Brandão Rodrigues tem nas mãos posicionar-se entre o lado revolucionário dos Partidos que apoiam o seu governo e a estabilidade que não se mede por “achismos”, mas em longos e complexos estudos, disponíveis apenas para quem tenha mesmo de os trabalhar para melhorar a Educação no nosso país, como noutros.
Estou em crer que esta atitude que pretende continuar a vigorar entre os opinion makers, e que de certa forma veio ser ridicularizada pelos comentadores em estilo de standup comedy, tenderá a enfraquecer os seus efeitos nos cidadãos realmente interessados nos assuntos dos destinos do país (vejam-se os resultados das eleições). A honestidade intelectual, particularmente escrutinada no mundo da investigação científica, uma atitude que significa, de modo geral, a honestidade na aquisição, na análise e na transmissão de ideias é um comportamento novo que se exige na política portuguesa e que assusta os have been e desarma os wanna be.        

Até para a semana, com a segunda parte da crónica, que continuará a tratar do papaguear, ou vá lá do palrar, no mundo da política.       

5.1.16

As batalhas do tempo e a guerra das estrelas

Deixei-me seduzir pelo novo episódio de Star Wars. Depois de ter vibrado com a primeira série na minha juventude, em que a fantasia no Espaço era ainda de facto uma novidade, depois de ter vibrado na infância dos meus filhos com a primeira sequela que já os apanhou “tu-cá-tu-lá” com esta multiculturalidade fantástica, eis senão quando, por acaso na noite em que Paulo Portas anunciava o fim de outra sequela à frente do CDS, mas é como digo, por mero acaso, lá me sentei para ver O Despertar da Força e vibrei de novo.

Confesso que estava com a quase certeza de que me ia desiludir. E desiludi-me, mas ao contrário. O preconceito de que a idade me faria ser muito negativamente crítica relativamente a um género de filme demasiado pop parece que foi ultrapassado pelo lugar-comum de que a maturidade nos permite pôr várias coisas no seu lugar e continuar a tirar partido, ainda que por outros motivos, daquilo que já parecia ultrapassado. E mais uma vez Vergílio Ferreira exprime esta sensação ou percepção de forma magistral quando escreve que «O tempo que passa não passa depressa. O que passa depressa é o tempo que passou.».

Foi quase comovedor rever a princesa Leia e Luke Skywalker marcados pelos riscos do tempo e a sê-lo à moda do Vinho do Porto, acho eu. Lembrei-me de como, perante a minha muda incompreensão, a minha avó vibrava com as notícias que diziam respeito à Grace Kelly e restante família monegasca e confirmei que, mais ou menos próximos ou distantes, todos acabamos por seguir algumas sagas ao longo das nossas próprias vidas, numa espécie de reescrita doméstica ou escrita paralela à vida que temos de tocar para a frente. Fazemo-lo também, cada um à sua maneira, com matéria mais ou menos histórica ou ficcional, mais ou menos erudita ou comum, de estrelas que usamos para nos irem enfeitando como luzinhas de gambiarra o lado do tédio do dia-a-dia.

Aceitei o lado irrealista e espalhafatoso, de muitas das cenas, que continua a proteger os mortais em situações de óbvio risco no mundo sério em que vivemos, como quem aceita alguns relatos quase-mitómanos ou expressões exageradas de gente de quem esperamos isso mesmo e com quem continuamos a conviver por razões de laços criados ou atávicos. Aceitei e diverti-me. Afinal, não temos que olhar para as estrelas e para os planetas e perceber do que são feitas para querermos continuar a admirá-las ali, presas àquele cenário escuro… Aceitei as requentadas relações familiares difíceis que se continuam a servir com uma intenção de novidade inaugural, porque também já percebi que, mais coisa menos coisa, os comportamentos humanos têm padrões irrecusáveis. Aceitei e reconheci que as paixões nascem e se alimentam, obviamente, muito mais pelos sentidos do que pela razão, o que faz com que inteligentemente se escolham para o sucesso corpos e feições que atraem os espectadores de agora, para além do politicamente correcto que começamos a implementar nos discursos, mas que ainda praticamos como excepção.

Enfim, fiquei muito contente por não ter saído daquela sala, cheiinha de gente de todas as idades, a dizer que “no meu tempo é que era bom”, o que enfim, também não é muito diferente em disparate do que ouvimos quando as mais jovens gerações não são capazes de se predispor a aprender alguma coisa com as anteriores. Mas pronto, é bom sentir que o tempo passa ao seu ritmo e nós não tentamos ludibriá-lo, ludibriando-nos. São batalhas que vamos ganhando ao Tempo por não nos metermos em guerras de estrelas, talvez.