30.4.13

ACREDITAR II

 Para que continuem a acreditar na cronista desta nossa Diana, vou esta semana, como prometi na anterior, falar do “não acreditar porque pensamos que não se cumprirá”. Este é o acreditar que está ligado à promessa. A promessa que é algo que se tem tornado diferente, atrever-me-ia mesmo a dizer muito diferente, do compromisso, muito embora este derive, etimologicamente, da outra. Compromisso é com promessa.  

Num sentido figurado, a promessa é a esperança trazida por algo, algo que parece vir de fora. Já com as influências anglo-saxónicas a palavra compromisso se confunde, no seu significado e aplicação, muitas vezes com duas palavras e noções diferentes: commitment e compromise. Vejamos os dois sentidos numa mesma frase, em que o compromisso é diferente da promessa. A frase é: «a pessoa comprometida com os seus princípios nunca os comprometerá». Em inglês há dois verbos para o mesmo em português: «People who are committed to their principles won't compromise them». Promise seria a tradução de promessa, commitment e compromise de compromisso, dependendo da situação.

Enfim, deixando de lado estas questões linguísticas, falar em acreditar é ainda possível se ligarmos o verbo a compromisso, já que caiu completamente em descrédito falar-se em promessa. Curto e grosso: já ninguém acredita em promessas. E no entanto acrescento: não podemos deixar de comprometer e comprometermo-nos, correndo o risco de deixarmos de ser uma espécie racional e ter isto virado uma selva ou, como dizia o Almada, “um sítio mal frequentado”.

Claro que isto, ao mesmo tempo, vai desiludir muita gente que, apesar de tudo, continua a gostar que se lhes prometa algo que julgam simples, porque o julgam da simplicidade do seu lugar único num mundo que é só seu ou dos seus. A alguns até podemos desculpar esta espécie de “engana-me que eu gosto”, mas ao fim de 39 anos de democracia, parece-me que começa a ser demais que haja ainda tão poucos olhares críticos e perguntadores. Às vezes um olhar com uma voz tão somente capaz de perguntar «se está mal, como é que se faz diferente, para melhor?»

Há muitos olhares raivosos e destruidores que são aqueles que infelizmente deitam tudo e todos abaixo, não distinguindo o trigo do joio. Uma espécie de cegueira raivosa, tantas vezes injetada por quem dela vive. E há depois muitos olhares tristes e desanimados. Destes há cada vez mais. É preciso cuidar deles para que não se transformem em raivosos e destruidores, porque essa raiva e destruição não os fará tornarem-se parte de um mundo novo, construído a mãos diferentes, onde o indivíduo tem direito à sua liberdade individual que se torna respeito e compromisso face às liberdades dos outros que com ele vivem.

«A pessoa comprometida com os seus princípios nunca os comprometerá.», dizia a tal frase. Como acreditar então em alguém, se é disso que se trata, alguém que não se conhece bem, se queremos acreditar em quem tenha princípios que nós identificamos como adequados a um determinado papel, função ou cargo? A coisa assim parece como andarmos a escolher melões ou a provar pimentos padrón, uns picam otros no! Vamo-nos distraindo com humor, valha-nos isso, mas o caso é sério. Eu tenho algumas respostas, talvez alguém mas pergunte olhos nos olhos, sem plateias a quem agradar e que se procura conquistar. Vou estando por aí, para isso. Para já até para a semana, quando vos falarei de alguns princípios com que me comprometo e em que, como tal, acredito!
  

23.4.13

ACREDITAR I

Vou voltar ao verbo acreditar e fazer uma série de crónicas em torno dele. Ainda pensei, para variar, pegar no seu sinónimo confiar. Mas confiar lembra-me fiado, que é como quem diz “levo agora e pago depois”, enquanto acreditar é mais “levo isto e descontam do que já aí deixei para crédito”. Deve ser esquisitice minha, já que também sou daquelas que prefere esperar pelos outros do que deixar os outros à minha espera. O resultado são sempre grandes secas que eu tento ocupar e fazer render de uma ou outra forma. Enfim, já percebemos todos que os verbos andam cada vez mais de mãos dados com a verba: crédito, fiado, fazer render… redemo-nos na linguagem ao capital!

Mas a razão por que volto ao verbo acreditar é o facto de ele ser nos dias que correm, e pelo menos em pensamento, muito conjugado na negativa. É mais comum ouvirmos “não acredito” do que o modo afirmativo. Numa época em que há cada vez mais ferramentas, eletrónicas, científicas e legais, para se provar que o que existe é, o que existiu foi e, nalguns casos, o que vier a existir será, parece contraditório que cada vez mais não se acredite em muita coisa.

A palavra de honra deixou de ter valor no mercado das relações humanas. Gastaram-se à tripa forra conceitos que não apenas se democratizaram, não senhor, mas antes se banalizaram. Não sei se o banal foi um mau uso da democratização, se foi a própria democratização, ou seja o tornar o que era exclusivo para alguns acessível a todos, que transbordou enquanto conceito, esquecendo outros que poderiam, e se calhar deveriam, coabitar com este democratizar que eu tanto prezo.

O que tenho como certo é que a democracia exige, de quem disponibiliza o que era só para alguns a todos, um imenso trabalho, uma perspetiva macroscópica dos assuntos e das coisas, uma capacidade de nos colocarmos em diferentes pontos de vista e de se perspetivar o futuro, conhecendo e reconhecendo os pontos importantes do passado, e, depois, pedra-de-toque, que é o que se diz quando falamos de meios para avaliar, optar por dar de determinada maneira o que melhor pode ser usufruído por todos e que se transforma, assim, no bem comum. Ou seja, e falando curto e direto, tudo isto exige um manual de instruções. As regras de uso, o que fazer em caso de avaria ou mau funcionamento, e outras FAQ’s que é como quem diz dúvidas mais frequentes e para as quais há respostas, tudo isto é necessário para que se acredite que quando usamos alguma coisa e partilhamos esse uso com os outros o possamos fazer de forma credível. Possamos, nós e todos, ou seja aqueles que usam e aqueles que põem à disposição para se usar.

Acreditar implica, pois, e para começar, medir as coisas e as pessoas a partir da nossa própria maneira de usarmos essas coisas e de sermos pessoas. Mas isto não chega, pelo que se acrescentará uma experiência que nos permita: com alguns continuar a agir assim, e acreditar que é uma opção certa; com outros, não acreditar naquilo que colocam à nossa disposição, em palavras, atos ou bens num sentido geral. Não acreditamos porque sabemos que não cumprirão, mas também podemos não acreditar porque discordamos que seja o melhor caminho para um determinado fim. Ou ainda, porque não acreditamos no interesse desse fim. Suponho que o primeiro, o não acreditar porque pensamos que não se cumprirá, é o que anda mais de moda. Para a semana, dir-vos-ei o meu porquê. Até lá.

16.4.13

VENCER III

Chego hoje ao fim desta pequena excursão a propósito da expressão traduzida do latim por «chegar, ver e vencer» e que tenho desenvolvido em partes nesta crónica. Vou falar, então, do vencer de um coletivo, já que não me parece que quem vença alguma coisa o faça sempre, ou alguma vez, sozinho. As responsabilidades podem ser desiguais, muito desiguais, e essa diferença é nalguns casos saudavelmente reconhecida por quem ajuda outros a vencer. Aliás, raramente se conhecem essas pessoas que ficam discretamente nos bastidores a fazer o seu melhor para que tudo corra bem. E os melhores vencedores são aqueles que os reconhecem enquanto tal, de uma ou outra forma, mais ou menos discreta, mais ou menos pública, mas sem formato obrigatório.

Na gíria futebolística brasileira usa-se até a expressão «carregador de pianos» para os jogadores que discretamente ajudam os pontas-de-lança a marcar os golos. Mas a expressão tem curiosamente origem e desenvolvimento no meio da música mesmo. Parece que no Estado da Bahia, quando as famílias e as instituições precisavam de mudar um piano de uma casa para outra, havia homens especializados nesse transporte. Feito o caminho a pé e atravessando as ruas, esses homens iam entoando umas cantilenas que etnólogos até já estudaram e alguns compositores recuperaram. Enfim, ninguém conhece os nomes de cada um desses carregadores que, para além do cuidado com que carregavam aqueles pianos para não desafinarem, iam animando quem com eles se cruzava, bem como o seu próprio caminho.

Esta curiosidade, e a metáfora que a partir dela se criou, mostra-nos que quando uma equipa trabalha num esforço comum, mesmo que a visibilidade acabe por ser só de uma pessoa, esse trabalho reverte, de uma ou outra maneira, também para cada indivíduo dessa equipa de bastidores. Fico sempre chocada, quando me dão os parabéns por uma iniciativa, de qualquer dimensão que seja, mas ao mesmo tempo apontam críticas ao coletivo que represento. Mesmo quando essas críticas, ou o motivo delas, não inviabilizam a iniciativa e apenas registam o quão melhor esta poderia ser se não tivesse este ou aquele engulho.

Claro que não quero com isto dizer que se espere de alguém que faça sempre tudo bem e que as críticas, e os próprios erros, não sejam até úteis na aprendizagem de um caminho de aperfeiçoamento. Também sei que a maior parte das vezes quando há um vencedor este é entendido como um líder que puxa uma equipa e não como o resultado de um trabalho conjunto. Num caminho que se entenda como competitivo, e há tantos, deve-se contar não apenas com quem ajuda mas, e muito, com quem empata. E lá voltamos ao resistir! Por isso é que, às vezes, quem tem o lugar mais visível nestes caminhos é um piano, silencioso mas imponente, do qual só conheceremos as qualidades e a resistência aos tropeções quando for pousado. Mas até lá, é o esmero dos carregadores do piano que o levará a esse bom destino, e a equipa, que saem, vencedores.

Ponto final: um vencedor é sempre um vencedor e dele rezará a história, mas os carregadores de pianos, o seu trabalho em conjunto, a harmonia do seu relacionamento, como na metáfora da cantilena entoada, são imprescindíveis. Encontrar quem faça parte dessa equipa, e construir a própria equipa, também não é trabalho sem esforço e alguma sorte. Eu cá tenho-a tido, quando sou piano. Mas também quando carrego algum, trabalhando ao lado de quem se pauta por princípios semelhantes. E estou-lhes, mesmo sem mencionar os seus nomes, obviamente, muito grata.

Até para a semana.

9.4.13

VENCER II

Vencer é também, e sobretudo, entendido como “ter êxito” e tem por sinónimo mais comum “ganhar” a um ou mais adversários. E digo adversários e não inimigos, muito embora o verbo se aplique aos dois. Digo-o e falo-vos aqui um pouco deste “vencer”, ao abrigo da máxima de Churchill. Diz-se que este político carismático, possuidor de fina ironia, numa visita de crianças ao parlamento quando, uma delas lhe perguntou se os seus inimigos se sentavam do outro lado (bancada da oposição), o Primeiro-Ministro britânico lhe terá respondido: "Do outro lado sentam-se os meus adversários.  Os meus inimigos sentam-se deste lado..."

Definir os lados pode parecer o mais básico e fácil, mas só quando se vê o mundo a preto e branco e se ajuízam as criaturas e as coisas como boas ou más. É essa a lógica que muitas vezes confunde teimosia ou fanatismo com coerência ou rigor de princípios. Também não me parece que todos tenhamos que ser muito amigos. Já o respeito e até certo ponto a tolerância, mesmo entre adversários, retiram esse rótulo de inimigos aos adversários. Adversários estão em lados opostos, relativamente a assuntos bem reconhecidos e podem colocar-se do mesmo lado noutros assuntos, igualmente bem definidos. Inimigos estão longe de poderem lutar juntos para vencer uma causa que até, à partida, os tornaria parceiros contra adversários comuns.

Se a mais comum das vezes se vencem adversários e se concluem contendas, dificilmente quando se vence um inimigo a guerra acaba. Fica para sempre, porque a base não é a da opinião ou de uma situação pontual que se dirime com armas à partida semelhantes, mas de sentimentos. Algo que, para o bem e para o mal, se enraíza mais fundo em cada indivíduo e molda assim a sua própria personalidade.

Também me parece que, como em tudo, há bons e maus inimigos, como bons e maus amigos. Ou seja, são tão maus inimigos que às vezes fazem tréguas nessa inimizade. Há até quem use a expressão “inimigo de estimação”, o que só de ouvir me faz logo sentir um cansaço imenso, numa atividade meia alucinada, mas pronto.

No fundo, no fundo, o que me parece a mim é que para “o vencer alguém ou algo” ser uma coisa limpa não tem de envolver sentimentos como o da amizade. Se há combates que colocam amigos como adversários, só a amizade muito forte lhes sobrevive. E às vezes isso pode acontecer, em política como noutro cenário qualquer. Julgo até que, quando a luta é limpa, esse seja o resultado mais comum. Aparentemente… Porque o que já questiono é se a palavra amizade se aplica assim tão facilmente a algumas, se não a maior parte, das relações… Mas como eu não sou dada a este tipo de resistência, mesmo com estes meus princípios que até a mim me parecem um bocado rígidos, quando me tratam por amiga tomo-o não como declaração de amizade, mas como uma forma cordial de tratamento que eu vou encaixando nos meus conceitos. Melhor do que me insultarem, já agora.

O meu coração não se deixa vencer pela alegria quando o substantivo amigo é de “encher” e o gesto e o ato não lhe correspondem. Mas também tento que não se encha de opostos, até porque isso nunca faria de mim uma vencedora, daquelas tipo resistente.  

2.4.13

VENCER I

Entre os diferentes modos que pode ter, transitivo “vencer alguém ou alguma coisa”, intransitivo “só vencer”, e reflexivo e pronominal “vencer-se”, vencer é um verbo com algumas definições e sinónimos. Mas há um que me agrada particularmente: resistir. E o modo é intransitivo, possui um sentido completo. É certo que há sempre um adversário implícito, coisa, ou pessoa, ou circunstância. Ou até um conjunto delas. Mas mais do que a derrota desse adversário é a situação que fica ultrapassada e os ganhos parecem não necessitar que haja quem fique amarfanhado com essa vitória. Eu cá acho que esta é a vitória dos corajosos!

Há gente comum que leva uma vida inteira a ter este tipo de vitórias. Não são particularmente reconhecidos por ninguém, não têm problemas em expor as suas dúvidas a quem as possa esclarecer, e quando se enganam de rumo reconhecem-no e tentam de novo.

Em política, e na posição de poder, resistir é um verbo que se conjuga diariamente. Porquê persistir então na conquista dessa atividade tão maldita? Julgo que a vocação, aquela de que falava o sociólogo Weber nos anos 20 do século passado, é o motivo mais provável. Ainda que a descoberta desta vocação, em particular, seja um caminho mais difícil do que de outras vocações, por exemplo mais avaliáveis “a olho nu”. Há quem, mesmo que resistisse toda uma vida, nunca pudesse ter um bom destino em artes plásticas ou na música. Não venceria nessas vidas…

A vocação é literalmente um chamamento que se sente, de dentro ou de fora, para o exercício de uma profissão ou ocupação. E há quem viva ou para aquilo ou daquilo para que está vocacionado. Assim postas as coisas, parece que quem “vive para” é melhor do que quem “viva de”, mas não creio que sejam atitudes irreconciliáveis. Ambas as situações me parecem possíveis, já que, convenhamos e os tempos o ditam, nem só da vocação vive o Homem! Se a vocação for exercida com um sentido de responsabilidade que refreie uma convicção, espécie de chamamento ao qual se obedece rigidamente e que, tantas vezes, pode tornar-se cega e transformar um bom princípio num mau fim. Citando Weber: «Há duas formas de fazer da política uma vocação: ou se vive para a política ou se vive da política. Tal contraste não se dá de forma exclusiva. Tanto na prática como no discurso, uma e outra coisa são feitas ao mesmo tempo: quem vive para a política torna-a a finalidade da sua existência, ou porque essa atividade permite obter prazer no simples exercício do poder, ou porque mantém o seu equilíbrio interior e a sua autoestima fundados na consciência de que a sua existência tem sentido à medida que está ao serviço de uma causa. Num sentido profundo, todo aquele que vive para uma causa vive dela também.»

Ora bem, assim sendo, o vencedor que o é porque resistiu não põe as culpas num adversário derrotado, ou num passado em que não esteve presente ou em que não teve poder para a ele se opor, porque essa é uma questão estéril e, como tal insolúvel. O vitorioso, que o é porque resiste, é quem está interessado no futuro e na responsabilidade em agir para esse futuro. E cito novamente Weber, na sua conferência “A Política como Vocação”: «Só possui vocação política quem tem a certeza de não se abater, mesmo que o mundo, na sua opinião, se revele demasiadamente vil ou estúpido para merecer o que ele pretende oferecer-lhe. Só possui vocação política aquele que reage a isso e é capaz de dizer: “Apesar de tudo.”»

Debrucei-me sobre a política e, portanto, na preocupação com o bem comum. Mas vencer com sentido de resistir também se aplica ao mais íntimo dos fenómenos, como a saúde de cada um e que só a cada um diz respeito. E evoco, terminando, um movimento ou associação de doentes, ou ex-doentes, que tem como nome e lema «Vencer e Viver». Haverá lá parelha de verbos mais a condizer com “resistir”?…