3.10.12

INSTRUMENTALIZAR

Hoje queria falar-vos da habitação social em Évora, área gerida pela empresa exclusivamente municipal Habévora. A propósito deste assunto, o verbo “instrumentalizar” aplica-se por ter sido aquilo que vi fazer a cidadãos fragilizados, pela segunda vez na minha vida de vereadora numa reunião pública de Câmara, por parte da bancada da CDU. Arrogando-se da exclusividade com a preocupação dos mais desprotegidos, esta força política, que esteve aqui no poder quase três décadas, durante os quais pouco ou nada fez em termos de habitação social, vem agora tomar as dores de alguns cidadãos beneficiários de uma casa de renda apoiada. Estes cerca de 30 munícipes que participaram na última reunião pública de câmara estão a ser confrontados com a atualização dos valores das rendas a 45% dos inquilinos da Habévora, num gesto que não apenas faz cumprir a lei, como repõe a equidade face a mais de metade de outros tantos cidadãos que pelo mesmo benefício já têm as suas rendas atualizadas. Eu conto de forma breve o porquê da situação.

Quando em 2006 foi criada a empresa municipal e passou a gestão das casas até então geridas pelo IGAPE para a Habévora fez-se a atualização de tabelas de rendas daquelas que não foram então adquiridas pelos próprios inquilinos. Aos já residentes que mantiveram a situação de arrendamento foi-se adiando essa atualização, correspondendo aos pedidos e dificuldades sentidas, e equacionando em conjunto que mais cedo ou mais tarde se acertariam gradualmente os valores. Fizeram-se, fez a empresa municipal, obras de manutenção, todas as receitas têm sido investidas na melhoria e construção de mais casas, fez-se uma requalificação profunda na freguesia da Malagueira, no conhecido Bairro da Cruz da Picada, e que terminou recentemente com uma gestão tão eficaz que, ao contrário do que infelizmente nos habituámos a ver, teve um custo final inferior, em cerca de meio milhão de euros, ao inicialmente orçamentado. E durante esta meia dúzia de anos, as casas que foram atribuídas a novos inquilinos tiveram logo o valor das rendas atualizadas, criando uma óbvia discriminação entre cidadãos que, ainda assim, não têm levantado questões. Era urgente repor esta situação e os inquilinos antigos foram avisados atempadamente desta necessidade, em comunicações constantes ao longo do processo em que cada situação foi explicada.

É óbvio que esta não é a melhor altura para um português passar a pagar mais de renda de casa. Aliás, atrevo-me a dizer, que nunca é uma boa altura para se pagar mais. Mas também é nestas alturas em que todos, embora sempre uns mais do que outros, estão mesmo aflitos e em risco de ver as suas condições de vida reduzidas a uma miséria de má memória, que os ânimos se exaltam e, infelizmente, surtem mais efeitos os apelos à contestação do que à solidariedade. E a CDU aproveitando a situação e instrumentalizando estes cidadãos que, em reunião pública, uma situação oficial de exposição aos outros, se atropelam para expor casos particulares da sua própria intimidade familiar, mostrando se calhar situações que gostariam de ver resolvidas sem ambiente de palmas, “bocas” ou piadas que depois se renegam. Uma espécie de circo de horrores que não serve a ninguém, já que as situações se resolvem aplicando as medidas mais justas possíveis e tratando cada caso com a solução possível e aplicável.
E os representantes que foram eleitos pelos munícipes de Évora para aquela bancada deixaram de fora na sua carteira de preocupações as cerca de 1000, sim mil, famílias que em Évora estão à espera de uma oportunidade para terem acesso a uma casa de renda apoiada. Gente que até pode auferir rendimentos inferiores a estes antigos inquilinos e que paga prestações em casas que começou a comprar ao banco, ou tem rendas com valores de mercado e não social. Ao propor-se a perpetuação desta situação está-se a colocar mais uma instituição que presta um serviço social, a Habévora, em risco, impedindo que se invista em novo parque habitacional de casas recuperadas, por exemplo, ou negociando com proprietários que têm as suas casas para arrendar, apoiando uma parte da renda, outro exemplo.

Mas a isto também se chama solidariedade, algo muito mais difícil de ser trabalhado com as pessoas desesperadas, do que fazê-las vir exporem-se, instrumentalizando-as, como ilustrações que exibem retirando-lhes a dignidade, quando às vezes a alguns é só mesmo isso que resta.