13.6.12

Todo o burro come palha, é preciso é saber dar-lha

Tenho assistido nos últimos tempos a várias "autoflagelações" de cidadãos que decorrem da indignação e da busca em tentar que não se lhes corte, pelo menos, o direito à opinião e a uma voz que se faça ouvir. São palavras que utilizam muitas vezes o burro, esse simpático animal, como termo de comparação de um povo composto de cidadãos que se deixam enganar ou preferem fechar os olhos a algumas coisas, sabe-se lá por que razões, mais ou menos pessoais, mais ou menos comodistas.

Coincidiu esta minha reflexão ainda com uma entrevista ao ex-selecionador da Equipa Nacional de Futebol a propósito do «e o burro sou eu?» que deu origem a uma rábula popular dos ainda famosos «Gato Fedorento» e quase passou a ser expressão idiomática nacional. Dos vários provérbios sobre o pachorrento e meigo animal, este - «Todo o burro come palha, é preciso é saber dar-lha» - foi o que mais me intrigou, não só se a tomarmos literalmente, mas também se substituirmos por analogia o animal pelo Homem.

Começando pelo animal em si, sempre julguei que a palha fosse um alimento das preferências do burro, o que não implicaria grande sabedoria no saber-lha dar. Nas minhas pesquisas fiquei a saber, então, que não era bem assim. Dizem os entendidos que o burro é um animal herbívoro que come erva fresca e grãos, mas, quando estes alimentos escasseiam, aceita comer a palha misturada com grãos ou mesmo a palha sozinha, apesar do seu menor valor alimentar. E foi aqui que eu percebi como com os humanos a coisa é mesmo ao contrário. Se não, vejamos.

Enquanto o burro aceita comer palha quando há escassez de alimento, os humanos vão aceitando “comer palha”, entre aspas claro, mesmo na abundância: nunca pedindo faturas; nunca conferindo contas de supermercado; nunca reclamando através dos meios legais, mas sim em conversas de corredor ou similar; nunca procurando as taxas mais baixas dos serviços das contas bancárias ou os juros mais altos dos depósitos a prazo; enfim, e uma data de “deixa andar” de que muitos de nós, que agora nos achamos conformados demais, nos devemos arrepender…

Para além do desespero que as pessoas começam a sentir na pele, sobretudo aquelas que viviam mais ou menos desafogadamente até agora, há uma espécie de sentimento que nos leva a culpar um passado, esquecendo que nem tudo o que se fez antes pode ser motivo, desculpa ou o que quer que seja para os erros que se cometem agora e que nos deprimem ainda mais. E quanto mais nos formos dando conta de que devíamos ter sido teimosos como burros e não mansos e pachorrentos, comendo a palha no meio da erva fresca, mais vamos aceitando como nossas, ou querendo achar que são só mesmo nossas, as culpas que, mesmo estando lá, não desculpam que alguém continue a saber como nos enganar com ela.

E é também por tudo isto que devemos aproveitar esta nossa atenção forçada (será esta a oportunidade aberta pela crise?!) para também não nos deixarmos levar por “outras palhas” que vivem do nosso descontentamento, não nos chegando a contestação, mas exigindo a proposta alternativa que não nos leve à escassez da erva fresca e dos grãos. E, sim, continuo a gostar dos burros, mesmo da sua teimosia, até porque um teimoso nunca teima sozinho!