25.9.12

ESQUECER

Com o início do ano letivo e aproximando-se a altura das associações de estudantes se irem organizando para eleger direções em algumas escolas secundárias é comum, e na minha opinião muito saudável, ver as “jotas” a fazer campanha, ainda que quase sempre seja bastante discreta. Esta de que vos vou falar anda a distribuir horários que os alunos podem preencher para não se esquecerem da hora e das salas das aulas a que devem assistir. Esquecer é o verbo que eu quero declinar, a propósito deste papelinho-lembrete.
Nas costas do horário, vê-se um jovem pouco jovem, dormindo a sono solto num sofá e em letras bem legíveis, para além do símbolo daquela juventude partidária, a mensagem «levanta-te do sofá e vem fazer alguma coisa por ti e pelo teu País!». Primeira observação: não me parece de muita perspicácia dirigirmo-nos a quem queremos cativar com um insulto, ainda que disfarçado de piadola. Mas, enfim, como os sentidos de humor são vários, a carapuça servirá a quem a queira e se esta jota começa já com o discurso de geração anterior e prega raspanetes aos seus pares é porque lá sabe o tipo de formação com que quer contribuir para engrossar as suas fileiras. Lembro-me quando nos primeiros anos do meu filho mais velho naquela “secundária” de haver um grupo de alunos, e que julgo terem sido depois membros ativos da associação de estudantes, que iam de véspera dormir em sacos-cama à porta da escola, juntando a irreverência da forma com a justeza do conteúdo, traduzida na vontade de chegar à escola antes de todos os outros.
Mas seguindo a leitura daquele horário propaganda, debaixo da grelha a preencher lê-se em letra miúda a seguinte “pérola” que eu intercalarei com breve comentário: «Portugal enfrenta uma das mais graves crises de sempre», verdade que anda na boca e no bolso de toda a gente, «e os mais afectados somos nós, é a nossa geração», comentário acertado para quem queira acirrar guerras contra os “velhadas”, o que fica sempre bem no ano da solidariedade entre gerações. É o acordar dos espíritos fazendo o discurso corporativo de defesa dos pares, a que nada há a acrescentar, se não for cair na mão do pai ou mãe desempregados, a lerem e a acharem que esse futuro negro já chegou. E continua: «Durante anos hipotecaram os nossos sonhos e comprometeram o nosso futuro.» Quantos anos? Os da democracia? Estaremos nós a assistir à institucionalização por parte de uma estrutura partidária de um discurso, até já ouvido na assembleia municipal do nosso concelho, da democracia como culpada da atual crise? Cá estamos nós a ver mais uma investida de quem tem no seu calendário, horário ou agenda fazer esquecer tudo o que nos trouxe a revolução e consequente implantação da democracia num país em que se houve avanço inegável na sociedade, nestes últimos 38 anos, foi precisamente na Educação. Depois lá vem o apelo à ação: «Chegou a altura de dizermos presente», ainda que o textinho esteja em ortografia já a caducar com a paulatina introdução de novo acordo, mas também aqui as opiniões divergem e podemos sempre ver resistência à modernização nalguns jovens…
Por fim com um inquestionável «Estuda, aplica-te!» vem a chamada ao patriotismo: «Não só por ti, mas também pelo nosso país. Portugal conta contigo!» E é nesta altura que qualquer jovem de mente mais acordada pode devolver a pergunta: «E eu, posso contar com quem governa Portugal?».