Vem a conversa a propósito da performance das jovens que em Londres atiraram com sopa Campbell ao super-guardado tesouro patrimonial, os girassóis do Van Gogh, que estão expostos lá para os lados da praça de Trafalgar. O que aconteceu uns dias antes da corrida em pista oleada que os “outros” fizeram entre o Parlamento e o número 10 da Downing Street. Uma performance que também mereceu atenção e que, em parâmetro de disparate pensado e ponderado, não ficou longe em pontuação do das jovens woke. Com uma enorme diferença: as consequências de um, no museu, não tiveram a seriedade do impacto negativo do outro em Downing Street. 0 a 1, em que o menos é mais a favor das jovens, no campeonato dos disparates com agenda.
Para que fique claro, o disparate na National Gallery cai, na minha opinião, dentro da definição de disparate para designar o díspar, o que é incomum, avaliável pelo pouco convincente critério da questão de gosto. A performance de traços estéticos, ou pelo menos revelador de algum conhecimento sobre a história da Arte, não se compara ao que, no entanto, pode contribuir para contaminar sujeitos menos dados à semiótica, essa ciência de lidar com significados e símbolos, que desatem a vandalizar a torto e a direito. Já o outro disparate, o da politiquice a meter-se na Política, é mesmo do domínio da irresponsabilidade.
Os dois episódios, assim classificados pela sua dimensão de curta duração relativa que não chega a elevá-los a novelas, protagonizados por mulheres, o que também permite leituras de preferência tão díspares quanto impeçam generalizações, revelam-me a violência e a voragem contemporâneas. Estes modos de viver que nos estão a levar, aos jovens e aos “outros”, para um “carpe diem” alucinante, em que não temos tempo sequer para avaliar o passo seguinte, nem para aproveitamos da melhor maneira o tempo de qualidade que arranjámos conquistado a custo. Desde logo quando os “outros” de agora parecem, por exemplo, pouco preocupados com a sustentabilidade da segurança social.
Esta preocupação com o estado do Estado Social que uns colam à Direita, numa nova retórica que mistura cortar com não aumentar, mesmo havendo aumento. É que se trata da segurança dos que serão “outros” daqui a mais de uma geração; trata-se de tomar medidas que também nos preparem para não deixar cair os mais inseguros, em casos de dificuldade, já daqui a menos de uma meia-dúzia de anos, uma vez que é a velocidade que tem marcado o ritmo a que se sucedem imprevistos e previsíveis crises.
Esta nova retórica está, de resto, presente no discurso dos Partidos ditos de esquerda, os que, já agora, adoram as performances revolucionárias e tentam sempre monopolizá-las. Tal como servem de modelo discursivo aos novos liberais portugueses, caçadores de jovens rebeldes pouco dados às correntes do comunitarismo, mas muito atreitos a causas concretas, com acções tão cirurgicamente escolhidas que se concentram na árvore e esquecem a floresta. O que manifestamente não dá para gerir o que se deseje ser bem público, como se viu pelo caso de Downing Street.
O que me preocupa e ocupa os dias é convencer-nos para deixarmos de ficar à espera de figuras, indivíduos, quais artistas dos de sete instrumentos, a tentar lidar com tanta simultaneidade. E, no tempo que temos para pensar, fazê-lo de forma a que a nossa acção, a de cada um de nós, pelo menos não piore os males com que estamos a conviver. Os males que revertem o sentido da expressão em que pedimos para que se nos perdoe o mal que fazemos pelo bem que nos soube experimentar fazê-lo. Talvez ainda haja tempo para corrigir algumas rotas.