8.11.22

Os de fora

  Há no conto imortalizado por Andersen “A roupa nova do imperador” um elogio que vai além do da sinceridade ingénua infantil. Creio que o conto reconfigura sobretudo a importância de um olhar de fora, de quem não embarca em práticas inquestionadas. Uma leitura de hoje de uma criação do antes, e nas suas circunstâncias, que para não tresler requer também a sua contextualização.


A pressão internacional em que se transformaram as felicitações de vários países de todos os quatro cantos deste Mundo redondo ao eleito Presidente do Brasil recordou-me este conto de Andersen. Julgo que mais do que o gesto de saudar uma vitória, foram gestos para salvar uma derrota de se transformar numa ainda maior balbúrdia a oeste do Atlântico. Acontece quando não há nenhuma espécie de inocência nesse olhar dos de fora, como no conto do autor dinamarquês cabe à criança que grita que o rei vai nú.

Olhos dos de fora com interesse e agenda próprios mas que, quando correspondem a cabeça e coração nos lugares certos, prestam um bom serviço aos de dentro. Assim estes os saibam e queiram ter em conta. Voltando ao Brasil, com quem as nossas afinidades quanto mais não fossem começam logo na língua que partilhamos, é com alguma expectativa que espero a sequência da história que as felicitações do Mundo ajudaram a que tomasse um determinado rumo.

É de resto o que acontece com as revoluções e “viradas” cheias de benevolência que se deram e se pretendem replicar: o que pareceu difícil para dar a volta, com o passar do tempo e o nublar da memória, que por isso se deve revisitar amiúde, parecerá muito mais fácil do que o que está por fazer dali para a frente. É de resto o que mais me interessa “ler” nos discursos dos que, vezes demais, ficam presos à tal memória não como ponto de partida e avanço, mas como troféu de prateleira. E para esses objectos de saudade, mais do que de nostalgia, são úteis os olhares distantes, que assim se tornam, com o tempo, críticos. Tão úteis para que o “sempre” não se transforme, no girar das voltas do Mundo, pior do que o que desejávamos não voltar a ter “nunca”. A isto se chamará talvez aprender com a História. E com as histórias.