5.7.22

Como cestos de fruta

 Parece ter acontecido recentemente um episódio, ou série deles, de homofobia e/ou de xenofobia numa conceituada Universidade portuguesa, que exigiu que o próprio Reitor viesse a público defender a honra da instituição que governa e representa. 


O caso terá passado despercebido à esmagadora maioria dos cidadãos, até de quem trabalha ou estuda noutras universidades, como me aconteceu a mim. Não fosse ter excelentes impressões e relações com quem lá trabalha, investiga e estuda, e visitar de quando em vez as suas páginas nas redes sociais, que também não tinha dado conta de que alguma coisa tinha ali apodrecido.  Como uma peça de fruta num cesto cheio e com variedade.


As organizações com muita gente, tal como as instituições que se compõem como micro-representações das sociedades em que estão implantadas,  estão sujeitas a acolher quem é incapaz de viver nesses contextos. O início do comunicado daquele Reitor anda precisamente à volta disso mesmo: o preconceito é filho da ignorância e as universidades são lugares de conhecimento. Quando se tem de ter “dois dedos de testa” deve reconhecer-se que se existe preconceito, algo vai mal. 


Se o que causa o preconceito é incompreendido, que se invista em perceber do que se trata, de forma a sabermos se estamos errados ou desajustados. O erro tem critérios e argumentos que o consideram como erro, não são um direito ao “é a minha opinião” para vivê-lo contra tudo e todos porque “estamos num país livre”. Já o desajuste pode solucionar-se com o favor de guardar para si o preconceito e proceder civilizadamente em sociedade. Quando se parte do princípio, claro, que é do lado do bem-estar e prosperidade colectivos que estamos. 


Vejamos outro assunto diferente, que ainda assim cai em parte neste campo da identidade, experiência pessoal em que o reajuste de argumentos abriu uma excepção ao caminho que defendo de ir acabando com extremismos para encontrar equilíbrios sustentáveis: a suspensão das consequências do americano Caso Roe vs. Wade. No que era a minha argumentação a favor da despenalização da interrupção da gravidez, vulgo aborto, que o caso de há décadas permitiu, nunca colhi o argumento do “my body, my choice”. Talvez porque sou da geração que ouvia Ary dos Santos dizer, na voz da Simone de Oliveira, que “quem faz um filho, fá-lo por gosto” e que o assunto dos filhos envolveria desde o início sempre duas partes e não apenas a pessoa que os carrega em si até que cheguem à luz dos dias. 


Todo o contexto que envolve o discurso, as práticas e iniciativas, ou falta delas, dos muitos grupos que se regozijam com a reversão desta despenalização, maioritariamente religiosos e que evocam a palavra “Deus” como propriedade privada sua, veio fazer-me ver que há um enorme preconceito societal que as mantém: o de que o estatuto feminino, na sua cláusula biológica, dá direito à invasão da privacidade legal de cada mulher. E isto é, muito para além da moral que rege a atitude individual, uma injustiça social. 


Claro está que nem todas as mulheres só porque são mulheres são seres ungidos, tal como, por ter acontecido ser homem a uma pessoa seja colado o rótulo de agressor. Não se trata de não misturar vários frutos numa mesma cesta, mas de os manter com a saúde que permite ser um belo cesto de fruta variada. Dela sairá a semente que dará os frutos que vêm a seguir e isso é tarefa do cesto todo, liderado também por quem o representa. Ninguém diz que é fácil, ninguém pode dizer que os cestos, e quem os mantém, são todos iguais. Mas servem de exemplo, a seguir ou a evitar.