15.11.22

Foice e o Marcelo

  Eu sei que estes títulos de crónica se aproximam arriscadamente dos das revistas à portuguesa que dantes enchiam o Parque Mayer, mas desde o penúltimo fim-de-semana que vários episódios a afectar São Bento e Belém me têm obrigado a rir para não me irritar. 

Em São Bento vamos deixar de ver Jerónimo de Sousa que sai de fininho das suas funções públicas, para dar lugar a outro que ainda mais de fininho entra, já que não disse um “ai” desde que o seu nome surgiu e, qual aurora boreal, durante mais de uma semana, enfeitiçou tudo e todos. De operário a secretário passou-se uma pasta ao funcionário na esperança de que, levados pela rima, os mais espantados, sobretudo dentro do viveiro, não se incomodassem muito. 

Ainda em São Bento, também sorri ao ver PS e PSD arrombarem o capital de queixa do CH, fazendo-lhe a vontade de abrir a discussão da revisão da Constituição, reduzindo-o no entanto a porteiro do assunto. De caminho, como neste assunto o Presidente da República só pode esbracejar, também os dois maiores Partidos repõem, ao reverem, a sua autoridade, para que ninguém se esqueça de quem é que manda na nossa Democracia, fazendo jus ao gesto em que cada eleitor se empenha em dia de ir aos votos. Por isso, também importante, é o detalhe de o PSD querer mais poder para Presidentes, embora em magistraturas únicas, a coincidir com o momento em que o Tribunal Constitucional diz que o CH não pode ter estatutos que concentram tanto poder numa só figura que o dirija. São os tiques de subserviência a figuras providenciais. E a avaliar pelas duas em causa, em Belém e na bancada de S. Bento, que figurinhas as dos figurões… Mas aguardemos.

Depois houve a cena de Marcelo e Abrunhosa, um a pregar raspanetes, a outra com trejeitos de quem não era nada com ela mas só uma cantilena à espera de reacção do público. Parecia uma rábula da Ivone Silva e do Camilo de Oliveira. 

As estantes das livrarias também não escaparão a esta tendência kitsch e lá teremos um outro dueto, desta feita entre um jornalista e um ex-governador do Banco de Portugal, ambos cheios de agenda - um ganhar fama, outro livrar-se dela - criando intimidades para inventar episódios públicos, confundindo fake news com literatura e tentando apanhar os que borboletam em torno das luzes que brilham mais forte, à semelhança dos que são levados por quem berra mais alto e matraqueia ininterruptamente. 

Assim vai a difícil tarefa de ser e lidar com um Governo de maioria absoluta dos anos 20 do século XXI. Não admira que até no que se consideravam ser os lugares e as instituições onde moram a discussão, o debate, a expressão de opinião, só até dizer-se ao que se vai ou por onde não se quer ir, o silêncio esteja a ser aproveitado para confundir o bom traço de sabedoria com o lamentável sinal de cobardia. Querem lá ver que o silêncio de Raimundo está a ser um sábio modelo de novas formas de estar a endireitar as outras que descambaram em estilo rábula? Isto não é nada bom para quem apenas for um “cidadão comum” que gosta de saber o que é que se passa em lugares de poder e gestão.