24.5.22

Quando Marcelo queria saber quem lhe fizera “aquilo” na cabeça

 Eis senão quando, a propósito da visita de Costa à Ucrânia, se dá a oportunidade de vingança pelo trabalho de conjecturas bem feito na comunicação social sobre vários assuntos de que Marcelo se julgava detentor do monopólio da notícia fresca. Perante a inoportuna birra de vingança (que também se juntará provavelmente à birra pelo facto de Marcelo ainda não ter sido convidado, como já foram Costa e Santos Silva, para ir posar no cenário de guerra), ficou evidente que não há segredos entre São Bento e Belém. Escusa o Presidente de vir dizer, daqui para a frente, que o Governo “faz caixinha” com o que quer que seja. Não nos esqueçamos disto, de ora em diante.


Esta vingançazinha teve o dom de me fazer ir buscar um clássico ocidental (e talvez não só) da literatura infantil. Trata-se de um livro-álbum alemão, que quem lida com crianças há 20 anos certamente conhecerá: o título em português, traduzido na editora Kalandraka, é “A Toupeira que queria saber quem lhe fizera aquilo na cabeça”. Trata-se de um enredo quase policial, ao estilo “whodunit” (palavra que condensa a pergunta “who done it”), vivido por bicharada, como é apanágio das obras que se dedicam às crianças e de longa tradição para todos os leitores, pelo menos desde Esopo.
Neste divertido álbum de 1989, autor e ilustrador (Werner Holzwarth e Wolf Erlbruch), a toupeira sai do seu buraco e um dejecto achouriçado aterra-lhe em cima da cabeça. O percurso da investigação, vertido quer no texto verbal, quer no icónico das ilustrações, é todo ele muito cómico. No final, descoberto o culpado, vemos a vítima a “fazer a vingança”: umas bolinhas de caca de toupeira aterram orgulhosamente em cima da cabeçorra de um tranquilo mastim.

Ao revelar a data, ainda que aproximada, da visita de Costa a Kiev, Marcelo poderá ter incomodado pouco o próprio Costa, tornando até ridícula a revelação. Ridículo tornar-se-á também o revelador, se pensarmos que o segredo não é aqui um salamaleque de salão, mas uma regra dos sistemas de segurança do mundo inteiro. Se bem se lembram, quando por alturas do Natal, por tradição, algum membro do Governo se desloca a cenários de guerra onde estão tropas portuguesas para desejar as Boas Festas, que o serão de espírito muito condicionado, só sabemos do ocorrido e não se anuncia previamente a ocorrência.

Este deslize intencional do Presidente da República, porque não creio que não o tivesse sido ou estaríamos perante outro tipo de caso agudo e grave, não foi só ridículo. Foi preocupante, mesmo tendo sido cómico. O que também é clássico.