A proposta e incentivo de nomeação directa de António
Guterres para o mais alto cargo da ONU foi uma boa notícia para Portugal e para
o Mundo. Foi um caminho longo bem trilhado, avaliando as próprias competências
e disposição para exercer os cargos a que se propôs, mesmo no passado. Jogando
o jogo pelas regras certas e claras de servir na política até onde lhe fosse
possível, sem atingir a incompetência com dano para aqueles a quem sempre teve
como princípio isso mesmo, servir. Está de parabéns e, na minha opinião
pessoal, terá condições para desempenhar muito bem um papel que, podendo trazer
diferenças, poucas mudanças poderá fazer ao rumo da Humanidade. Se sendo poucas
forem importantes, já a Humanidade terá também ganho com a sua eleição, ou
melhor nomeação.
Ao longo do processo incomodou-me, mas ainda assim não ao
ponto de me encanitar, a conversa à volta de “ser a vez de uma mulher”.
Primeiro, porque até podia ser verdade, se as qualidades daquelas mulheres
equivalessem às dos seus concorrentes homens. Não que eu seja contra as quotas
de género, que poderão até dar para um e outro lado, em lugares de gestão. Até
por uma questão de representação da comunidade que se gere. Mas depois, e
sobretudo, porque isso deu logo oportunidade a uma tentativa de golpada, estava
bom de ver, por quem achava que uma questão de género se resolve assim, só
porque sim. Foi bem reveladora de uma forma atabalhoada de lidar com coisas
sérias da política maior, e ainda mais de uma manipulação, ou tentativa de, em
nome de uma espécie de populismo que embarca, lá está, nisto de “ser a vez de
uma mulher”. E ter havido uma mulher a prestar-se a isso foi, em meu entender,
degradante e sinal de um retrocesso num caminho progressista em que a igualdade
de género integrasse as rotinas dos povos.
Não sendo eu, por exemplo, particularmente apreciadora da
personalidade de Hillary Clinton, teria preferido Bernie Sanders do lado dos
Democratas, não se pode dizer que, com mais ou menos rasteiras que possam ter
sido cometidas pelo seu aparelho, não esteja a levar o seu trilho com todas as
etapas normais de um candidato, sendo uma candidata. Há referências ao género,
claro, como aos seus assuntos privados que se tornaram públicos. Como houve à
cor da pele e origens muçulmanas de Obama. Como há a de mulherengo-misógino e
espalhafatoso novo-riquismo de Trump. Para alguns, estes detalhes serão
condicionantes para não merecerem o cargo e, apesar dos epítetos que atribuí a
Donald, usá-los é tão mau como dizer que só por ser mulher terá de ser Clinton
a suceder a Obama.
Passes como este de Kristalina Georgieva, a que Merkel
também não é alheia, põem-me logo a imaginar um ambiente em que uma espécie de vespa-rainha
se predispõe, põe e dispõe, a usar todos os seus recursos, inclusive os intelectuais
e que parecem passar a ser definidores de género, ao serviço de um enxame, até
misto, da mesma espécie e com uma empolada e inegável ambição. A ambição que é,
também, uma característica óbvia e não forçosamente condenável de alguém que
pretenda exercer um cargo que, mais do que direitos, traz sobretudo enormes
responsabilidades para as quais se tem de ter mais competências dos que as
definidas pelo número de cromossomas X ou Y. Gente assim não presta um bom
serviço ao género e, muito menos, à espécie humana. Podem bem construir o seu
ninho de vespas e manter à distância os que não se querem picar.