Esta crónica vai para o ar a dois dias da consulta à
Grã-Bretanha sobre a permanência na União Europeia, e depois de 53 americanos e
uma deputada inglesa terem sido assassinados por quem se convencionou chamar
“lobos solitários”.
Matar parece ser mais fácil do que morrer. Não é de agora, é
de sempre. Só parece mais fácil morrer se for para se matar, num ajuste de
contas macabro. E sob a égide de ideologias, logo praticado por quem pensa,
ainda que mal, sobre o que é o sentido da vida em sociedade. Nada, pois, mais
impróprio do que chamar lobo a gente como esta. Compreensível apenas na
perpetuação do conto do Capuchinho Vermelho, quer nas versões que acentuam a
sua voracidade resultante da fome, quer na branqueada e misógina versão que o
faz ser quase-vítima da sedução feminina, o que era bom que fosse assunto
revisto para não permitir certos disparates quando se ouve por aí sobre
violência doméstica e crimes sexuais. Confesso-vos que, depois de tantas
leituras, já tenho para mim que este conto serve apenas e só para ensinar às
crianças a obediência perante quem se encarrega da sua educação. Mas enfim,
sendo a literatura e a ficção o lugar próprio das muitas possibilidades de
leitura, só há que discuti-las não as fechando.
Os que chamaram lobos, mas são só mesmo é assassinos,
representam, como nesses lugares de ficção, o medo que vence. Eles representam o
poder descontrolado do indivíduo sobre o colectivo. Eles representam a culpa
que não se apura mas que se procura sempre para explicar o que não se entende,
seja uma diferente orientação sexual ou uma militância política. Eles
representam o pior da Humanidade, a sua parte doente que tantas vezes se
alastrou a colectivos em regimes totalitaristas. Eles são a ameaça em estado
puro porque se parecem e se misturam com os restantes mortais e fazem-nos
desconfiar uns dos outros. Eles representam a maçã podre de um lado e rosadinha
do outro, como a de outra história. Os lobos não se matam uns aos outros, matam
para comer. E se sim, simbolicamente, o lobo tem sentidos antagónicos, porque representa
o mal, a crueldade, a luxúria e a ambição, é no que ele simboliza do bem, com a
astúcia, a inteligência, a sociabilidade e a compaixão que percebemos que lhe
queira vestir a pele, para se disfarçar de bicho, o homem que se transforma num
assassino.
Destes crimes recentes, que chocam tanto mais porque se deram
em cenários que não são de conflitos mas lugares onde qualquer um de nós
poderia ser apanhado, podemos dizer que são terrorismo. Os crimes terroristas misturam
dois lugares-comuns únicos à espécie humana de qualquer cultura ou latitude – o
Amor e o Medo – manipulados por quem queira espalhar ideologias de forma
programática e sistemática, sejam religiosas, políticas ou financeiras.
Voltando ao contexto político de hoje, tratando-se a União
Europeia de uma forma de organização que lida precisamente com as diferenças
nestas áreas, e com a decorrente dificuldade de as compatibilizar em nome de
uma união, já só a hipótese de pôr em causa, dividindo um dos seus membros
interinamente, muito diz da pouca saúde dessa relação. Como afirmava o Vergílio
Ferreira sobre estas dúvidas no indivíduo: «Perguntar se se é feliz é começar a
ser infeliz, como perguntar se Deus existe é começar a ser ateu.».
Ora, na organização das sociedades, a democracia
permite-nos discordar entre nós e resolver conflitos e discordâncias, com
instrumentos equivalentes e equidistantes, encontrando soluções não bélicas.
Estes actos criminosos em nome de causas sociais e políticas são os eternos
resquícios de uma Humanidade que prioriza a resolução do conflito com a guerra
armada e não segundo as leis do civismo. E isso já não se usa, embora ainda os
usem. E também o fazem porque não suportam perceber que, depois de partirem, a
vida continua. Como continuará a Europa, com ou sem Grã-Bretanha, com ou sem
União. Pode é ser pior, pois pode. O Tempo, e o que as mulheres e os homens
fizerem com ele, se encarregará de o demonstrar.