28.6.16

Vergílio e a Feira

O calor a aquecer-nos desta maneira e o final de um ano antes das regulamentares férias, para alguns, parece que nos tornam mais preguiçosos… É por estas alturas que quem visita o Alentejo percebe alguns dos seus ritmos, injustamente caracterizados em caricaturas que, com um pouco mais de atenção ao que por cá se passa, bem podiam ser mais perspicazes a apontar outras características. Porque as há, naturalmente. Esta “preguicite” não nos entope o pensar e o ler, o sentir e o lembrar. E foi por isso que me socorrendo de um precioso documento que uma Amiga, precocemente desaparecida, elaborou entre Dezembro de 2012 e Julho de 2013 ao serviço da Câmara Municipal de Évora, e intitulou “Évora na literatura: contribuições para uma antologia”, mais uma vez me encosto à pena de Vergílio Ferreira, tornando-o, mais do que inspiração, quase co-autor da crónica de hoje. Aliás convém dizer que, em vários “lugares e plataformas” da Cidade e da estratosfera, algumas palavras de Vergílio – as que estão no capítulo 25 de Aparição, foram lidas e dadas a ler no passado dia 23, dia da Noite de São João e da inauguração, também este ano, da Feira com o nome do santo.
Das contribuições compiladas por Maria Ludovina Grilo, chega-me o Verão de Évora que diz assim, tão parecido com o deste ano: «O Verão chegou à cidade como uma explosão. Maio viera sereno, com alguns dias de chuva, continuando quase o Inverno. A chuva desapareceu, o tempo estabeleceu-se em acalmia. No pátio do Liceu as quatro árvores reverdeceram. (…) Ao fim das aulas divago pelo jardim público para ouvir os pássaros. Pelos túneis de sombra os mióporos espargem florezinhas brancas como numa apoteose. (…) Sento-me, reconciliado, nos bancos de azulejos, fechados em recantos clandestinos, vou visitar Florbela, olho-a de um banco de madeira que lhe fica em frente, medito com ela.»
Da fonte directa, o romance Aparição, não voltarei a citar os excertos do dito capítulo que o narrador, alter-ego de Vergílio já longe ficcionalmente no espaço e no tempo em que esteve em Évora, recorda a Feira de São João, que descreve muito expressivamente, mostrando o quão bem conheceu Évora e os Eborenses. Retiro só o que disse do dia de outro santo, esse que marca o feriado municipal e dá o Dia da Cidade a Évora, e já serviu, em tempos mais recentes, para que os que gerem a Cidade e o Concelho homenageassem com magnanimidade os cidadãos que fizeram de alguma forma a diferença na Cidade, reconciliando até entre si os que, em nome da Cidade, aceitam, magnanimamente também, ultrapassar diferenças. E diz assim, o romance: «É dia de S. Pedro?, o dia “chique”? Já não sei. A multidão ferve rodando em torno de si, como se toda a feira fosse um enorme carrocel.»
Pois é, digo eu, de repente já tudo é um carrocel que parece fazer alguns, um pouco tontos, esquecerem-se de que há momentos em que se pode parar e marcar diferenças com gestos magnânimos. Não negativamente, suspendendo a festa, até porque fazê-lo é uma desconsideração para com os que antes foram considerados mulheres e homens de valor para a Cidade. 
Estas linhas de literatura e pensamento estão ali, fechadas num volume das muitas edições de Aparição, a lembrar-nos do que é uma feira, do que é Évora, do que é a Feira de São João em Évora. Está ali durante o ano todo, ano após ano. E cada leitura é celebrar o autor, mas também os lugares de que fala. Fora das páginas do livro, há quem queira e possa também lembrar todo o ano a Feira de São João deixando o seu estaleiro montado o ano inteirinho, ali a um cantinho da muralha património, em frente a uma Escola como se de umas traseiras quaisquer se tratasse, esperando – e conseguindo, às tantas! – que ninguém repare nele, já que se disfarça quando se cerca o Rossio, para receber os mercados, ou se o engalana, para receber a Feira.

Votos de que se divirtam nesta Feira de São João 2016, que eu tento fazer o mesmo… o ano inteiro.