É um prazer voltar às crónicas em que, da letra à voz, a
Rádio Diana me vai dando a oportunidade de emitir opinião e, talvez até, fazer
opinião junto daqueles que me ouvem ou lêem com toda a paciência. Tenho seguido
uma norma, pessoal e possivelmente intransmissível, de submeter as séries de
crónicas a um motivo constante, à volta do qual surgem os temas, ou assim os
suscitam as circunstâncias, e que me vão levando a partilhar a minha opinião.
Já o fiz com ditados populares, com verbos, com estrangeirismos, com citações
de Vergílio Ferreira. Nesta série pensei na metáfora como pólo agregador de
ideias, argumentos, lógicas discursivas. E talvez seja por isso interessante
começar por ajustar o vastíssimo “mundo da metáfora”, muito conhecido e
esmiuçado para os relativamente poucos que trabalham as teorias e a filosofia
da linguagem, ao mundo dos cidadãos que entre as ondas hertzianas e os bytes vão apanhando as palavras de que
são feitas estas, e quaisquer outras, crónicas de opinião.
A metáfora é talvez o recurso expressivo que a linguagem
humana mais utiliza. Por vezes até inconscientemente e, pasme-se, por falta de
vocabulário próprio para precisar uma ideia ou uma definição. Isso acontece
muito com as crianças que, com o seu ainda pequeno dicionário, lançam mão de
imagens que parecem até poesia a sério, intencional. É que a metáfora consiste,
num sentido lato, em usar-se um termo, ou uma expressão, ou até mesmo uma ideia
– quando o nível de elaboração do discurso é mais estável e consolidado – com o
sentido de outro termo, expressão ou ideia. Obviamente que se mantém uma
relação de semelhança, fazendo-se o transporte de um sentido para o outro – num
sentido para a criar, no outro para a decifrar - ainda que por vezes difícil de
descobrir, gerando verdadeiros quebra-cabeças a quem queira entender
exactamente o que se está a querer dizer. Aliás, começamos por aprender que a
metáfora é, e simplificando, uma comparação sem o “como”. O que a partir daqui
se pode fazer é que vai complicando a identificação de vários recursos
expressivos que se podem distinguir com base nesta relação simples ou que
simplificamos. Uma metáfora é uma imagem e nós sabemos como ela é tão
importante.
Mas o que é verdadeiramente interessante para aqui, em meu
entender, é o facto de a metáfora ser sempre uma representação simbólica de
alguma coisa. E como tal, ela representa, nas dinâmicas próprias de todas as
culturas, formas de regular atitudes e comportamentos próprios de grupos, dos
mais locais aos mais globais. Muitas vezes, em diferentes línguas mas em
contextos e referências semelhantes, utilizam-se expressões metafóricas muito
diferentes, que até se tornaram expressões idiomáticas, completamente intraduzíveis,
pelo menos à letra. De tão banalizada a sua utilização este e outro tipo de
metáforas podem até considerar-se metáforas mortas, uma vez que a intenção do
uso como recurso estilístico já lá não está. Mas normalmente contam histórias
muito interessantes, também.
Ao longo desta série de crónicas que nos levarão até
às próximas eleições autárquicas, a propósito de temas desta e de outras
actualidades, não haverá com certeza falta de metáforas, mais ou menos óbvias,
que se aplicarão a várias circunstâncias. Como estamos, por exemplo, a assistir
a esta da “geringonça”. O tempo, sempre o tempo acima do que nós fazemos, se
encarregará de dizer se a metáfora, inicialmente tão negativa, não se
transformará, quem sabe, em sinónimo de “coisa que funciona bem”. Ou se
palavras que nada têm de metafórico, como informação por exemplo, não estão cá
no lugar de propaganda e não deva ser lida como nos estando a “atirar-nos areia
para os olhos”. E isto para arranharmos desde já uma metáfora, ainda que com
uma imagem sensorial um tanto dolorosa que, de certa forma, nos alerta para uma
atitude defensiva.