Um
assunto de comboios tem estado a apoquentar os moradores junto à antiga linha
ferroviária de Évora. Um projeto estratégico para o País que, aparentemente,
teria de incluir esse atravessamento, num processo por agora, também
aparentemente, mais calmo, mas em que a intransigência de uns parecia estar a
levar à resistência exacerbada de outros que, não sendo muitos, perceberam
muito bem o perigo da situação. Já assumi a minha posição publicamente e
declarei o que tinha a declarar sobre o assunto em concreto, mas não queria
deixar de falar um pouco dessa expressão que, das duas umas, ou reflecte uma
atitude ou se reflecte numa agenda própria de alguns. Falo da expressão “ficar
a ver passar os comboios”.
Usada
para significar que se perde uma oportunidade, o seu porquê e de onde vem não
consegui apurar. Seguramente que em português a expressão não pode ter nascido
antes da segunda metade do século XIX ou, se nasceu, já poderia ter sido por
indignação dos que queriam ver os comboios a circular em Portugal mas não havia
meio de isso acontecer. Parece que as primeiras tentativas terão sido de 1840,
a obra só arrancou em 1853 e o primeiro troço, Lisboa-Carregado, terá ficado
concluído em 1856, há 160 anos portanto. Também poderá ser uma tradução das
expressões em francês ou inglês, que falam em “perder o barco”, e ser tão
antiga como a época dos Descobrimentos com uma actualização oitocentista.
Curiosa é a expressão que funciona como onomatopeia e, portanto, serve para imitar
o ruído do comboio - «pouca terra, pouca terra» - a que se junta a onomatopeia
“u-uuu”.
Entre
uma e outra expressão, não consigo deixar de imaginar que se a primeira se
aplica aos que ficam apeados e parados, a outra parece entoada por quem lá vai
dentro, a fazer quilómetros atrás de quilómetros. Sem emitir juízos de valor,
pergunto-me sempre quem será mais feliz: se o que escolhe acomodar-se, se o que
não sossega sem mudanças constantes. É que os primeiros podem acomodar-se
porque, de facto, conseguiram o ambiente ideal para o fazer e essa comodidade é
a oportunidade que agarram. E os outros podem sempre, inconformados, desejar o
melhor que não encontram por onde passam e não ficam, não sem antes tentarem
esse melhor para aquele lugar. Mais uma vez, em meu entender, é o tempo, a
consciência que dele temos, que nos faz criar ou aproveitar oportunidades.
Quando o fazemos só para nós e em prejuízo dos outros até lhe chamamos
oportunismo.
Em
Évora, nos finais dos anos 90 - início deste século, quando um pouco por todo o
país se erguiam centros culturais, deve-se ter achado que não eram precisos e
nenhum se fez ou se recuperou um salão que, tão central quanto em ruínas, ainda
para ali está. Em Évora, quando um pouco por todo o país, nasciam centros
comerciais com cinemas, por aqui chegava aquele que ficava ali ao canto e que,
de tão esconso, não atraía espectadores. Em Évora, quando em todo o país
qualquer sede de concelho já tinha um sistema de águas que evitava os longos
verões sem pinga na torneira, o sistema encontrado, para o assunto ser
rapidamente resolvido, que foi mas mais tarde, sai caro aos bolsos da autarquia
num “casamento” com parceiros que ainda anda a correr mal. E em Évora, para se
ter uma pista de atletismo foi preciso um projecto que começou com uns
localmente, que continuou com outros centralmente, e se concluiu de novo com os
primeiros e os outros, e a que se juntaram mais outros, localmente, para cortar
a fita e assumir a gestão.
Um
cenário político-partidário destes, em que todos procuram ser os que fizeram
isto ou aquilo, parece acompanhar com «pouca terra, pouca terra» a atitude
proactiva que afinal só pode beneficiar Évora. Não se pode é promover durante
anos essa atitude de ficar sossegadito a ver passar os comboios, agitando
bandeirinhas a exigir isto e aquilo, e depois querer que quem se habituou ao
“poucochito” que lhe deram mas a refilar muito por mais e melhor, saiba fazer
mais do que isso. Mas isto sou eu a pensar, que nem todos os comboios se
apanham só porque sim e, retomando a referência da expressão nas outras
línguas, há outra expressão que nos ensina o valor do tempo e da oportunidade:
«há mais marés que marinheiros».