O ano lectivo na Universidade está a terminar. Começam os
exames. Alguns terão três longos meses e meio de férias pela frente. São os que
fizeram as frequências, seguindo a avaliação contínua, vendo-se recompensados
por um esforço que distribuíram ao longo do semestre. Outros lá tropeçaram aqui
ou ali e terão que tentar, mais uma vez, esta ou aquela matéria menos estudada,
entendida, apreciada, pior transmitida. Porque já se sabe, dos dois lados da
sala, frente a frente, estão sempre seres humanos. Falíveis, instáveis, por
muito competentes e esforçados que se revelem ou os declarem. Há que melhorar,
sempre, e a Universidade, como o Mundo, tem esse percurso como destino a
alcançar.
Na área das Humanidades e das Ciências Sociais estamos à
espera de encontrar quem se ocupe e preocupe mais com metafísicas do que com
físicas, mais com comportamentos, formas e métodos de interagir entre
indivíduos, entre si e em grupo mais ou menos alargado. É aqui que podemos tentar
iludir e ultrapassar o que é físico, químico, comandado por reacções quase
predestinadas, e usar o pensamento para além do técnico que, vamos lá ver,
sempre é o que nos salva a vida e nos dá, em princípio e se tudo correr pelo
melhor, o conforto material da evolução civilizacional. E até nessas áreas
haverá momentos em que as certezas que se conquistaram contêm em si histórias que
parecem do domínio da ficção e que, por isso mesmo talvez, contribuem para a
evolução e para o progresso da Humanidade. O saber, o conhecimento, a técnica,
tudo nas mãos de seres humanos a investigar, a ensinar, a aplicar.
O que é também interessante na instituição Universidade, que
é uma Escola onde cada um, e cada vez mais felizmente, deveriam poder encontrar
a totalidade, a universalidade, reflectida nos percursos possíveis do conhecimento,
e fazer nela o seu caminho aprendendo, onde já ninguém se não o próprio se
encarregará da sua Educação, é precisamente a sua semelhança com o resto do
Mundo. Mas é lá também onde se espera que estejam os que, pela primeira vez,
modelam adultos, sem a intervenção protectora de pais ou tutores, servindo de
exemplo numa outra fase de maturação aos que por lá passam e continuam depois o
seu percurso pela vida, desejavelmente ganhando uma autonomia libertadora. É assim,
pelo menos em teoria.
Tenho para mim que numa sociedade em que as dinâmicas
políticas e sistémicas permitem uma muito maior mobilidade social, com o acesso
a instituições que antes só serviam elites, o quão mais trabalhoso e
responsabilizador é para quem nelas trabalha: colaborar ensinando, e portanto
dando o exemplo, a serem bons usuários dessas instituições. Enriquecendo-as,
até, com a sua participação que deve ser sempre bem vinda quando é esse o seu
fim.
O Vergílio Ferreira que há 70 anos estava a terminar o seu
primeiro ano lectivo neste espaço que agora é Universidade e então foi Liceu,
apesar da figura enigmática e do feitio a adivinhar-se mais para o taciturno,
inspirou e motivou muitos dos seus alunos. Ele já tinha percebido que para além
de ensinar com rigor esta ou aquela matéria, necessária, útil, trabalhosa, a
que daremos muito valor num contributo determinado para a sociedade, outras
capacidades aparentemente inatas ao ser humano tinham muito para ser
trabalhadas por quem e para quem ensinar é mais do que isso. E onde o termo e o
conceito de Cultura devem ultrapassar as paredes de uma sala de aulas numa
Universidade e…entrar nela, aperfeiçoando-se e aperfeiçoando-a. Ele escreveu: «A
cultura é o modo avançado de se estar no Mundo, ou seja a capacidade de se
dialogar com ele.» E isto também se deve aprender lá dentro. E praticar.