Ora então vamos lá falar de sexo e do politicamente correcto ou não. Tudo
a propósito da onda de denúncias, mais ou menos retroactivas, sobre o assédio
sexual no mundo do cinema, mais especificamente naquele mundo cujo epicentro é Hollywood.
Visitar o lugar em plena luz do dia é já perceber metade da história do que
marca o compasso do “luzes, câmara, acção!”, já que o “glamour” que se vende na
tela e no ecrã se esconde, naquela avenida central de Hollywood, numas estrelas
douradas no chão ritmadamente incrustadas num cenário bastante decadente e onde
o sexo é o motivo mais recorrente.
Falo do sexo desempoeirado do século XXI, o que não esconde as
orientações nem finge que, no domínio do íntimo, a fantasia e a imaginação
podem não ter limites. O que é do privado pode ou não ficar no privado e
torná-lo público, não sendo obrigatório, acarreta riscos reveladores de
desconfortos vários, para usar apenas um eufemismo, e gerar reacções legítimas
em quem se sinta ofendido. A idade da
Humanidade trouxe-nos a esta realidade em que, no lugar frequentado por todos
convivem e até vivem uma da outra, a assunção em expor os seus instintos e
gostos sexuais com a pregação da moral que se dedica à preservação de bons
costumes, mais ou menos anacrónicos.
O que também começou a mudar foi perceberem os que pactuavam, mais ou
menos contrariados, com a falocracia, num sentido muito mais próximo do étimo
dessa palavra que se alarga para designar sociedades machistas, que os limites
da normalidade são questionáveis. De repente, parece que todos acordaram poetas
revolucionários e olharam o mundo onde se moviam rotineiramente com um olhar
inaugural. Nada contra, obviamente. Todos temos o direito de precisar de um
tempo em que apuramos que o que fazemos contrariados não acontece porque também
o permitimos. Descobrir isto mesmo pode ser doloroso e até dificultar a
denúncia. A sociedade progressista também nos permite isto, uma espécie de
arrependimento do pecado no leito da morte...
O progresso social permitiu-nos, aliás, considerar correcto politicamente,
porque afecta as regras de funcionamento do que é a vida em sociedade, quer a
assumir o que seriam diferenças da vida íntima obrigadas a serem caladas no
espaço público por gerarem vítimas de intolerância, quer a denunciar o que querendo
esconder-se no lugar do íntimo o faz de forma não consentida. Ignorar esta
realidade é até impedir quem queira de facto aproveitar-se dessa, adaptada por
mim, falocracia de forma assumida e com as consequências várias que daí podem
advir. O que podemos tolerar como modo de viver a vida parará, em meu entender,
nos limites do politicamente correcto quando se atinge um grau mínimo de
violência. Esta pode ser física, psicológica ou social e é um acto
absolutamente condenável e em que numa sociedade onde a justiça funciona para
além do animalesco “olho por olho, dente por dente”, não pode passar incólume. Denuncie-se
e proteja-se a vítima. Que não se fique por uma auto-censura que nem todos têm
estrutura, nem o dever submisso, de usar.
E, a propósito, informo que estou à espera do desfecho
do caso do estranho acórdão que envolve dois homens e uma mulher numa agressão
com pau e pregos, à espera do funcionamento das instituições, para fechar a
minha opinião que, até agora, permanece na indignação semi-privada, mas também
na confiança dos que na sociedade civil tomaram logo, e bem, entre mãos o
assunto.