19.12.17

Sinos e alarmes

Pondo de parte a questão religiosa, que é afinal a origem das grandes festividades dos nossos calendários, o Natal este ano já me parece um Carnaval. Paira um clima que se adequa ao espírito carnavalesco, à antiga e provinciano, com enterros e testamentos de Judas, em que se expõem na praça pública as características, ou talvez só os defeitos, de figuras conhecidas.
O Natal é hoje, e acima de tudo, uma época de consumismo. Isto revela o quanto as tradições como a troca de prendas, os convívios gastronómicos, ou as deslocações para estar com os que nos são mais queridos, implicam lidar com o mercado. Tudo isso se compra e, por isso, tudo isso se vende. O marketing e a comunicação embrulham, melhor ou pior, esse apelo à transacção de verba com os outros valores, esses sim que apelam a sentimentos promovidos pelas religiões.
Nesses disfarces para vender melhor o seu produto, assistimos a verdadeiros curto-circuitos em que os meios se retorcem para alcançar os seus fins. E as pessoas, quando se lhes põe um microfone à frente no mesmo meio de comunicação em que se vendem os produtos da época, mascarados de bons sentimentos, não resistem à tentação e lá vão atrás, engrossando o corso carnavalesco. Por exemplo: nunca se assistiu a tanta promoção de livros como bons presentes de Natal e, quase sempre, quando interrogados os empenhados compradores sobre as prendas que escolheram, eles lá estão na sua lista. Estou, como tal, muito curiosa em perceber o quanto o número de leitores e livros lidos pelos portugueses vai aumentar em 2018. Oxalá! 
Ora, este ano, estamos também a ver misturados, por quem diz ter feito jornalismo de investigação, essa mistura de benevolência e maléfica tentação. Mas note-se: de investigação a reportagem sobre a Raríssimas, que é do que estou a falar, nada tem, sei eu que sou também investigadora, e isto porque a investigação tem um código deontológico por que se rege. Os factos apresentados e a metodologia usada por aquela senhora que é jornalista não o seguem. Aos jornalistas caberá apreciar se seguem ou não o código deontológico deles.
Se o objectivo era denunciar uma situação inaceitável, ainda assim não inédita, e cujo escrutínio deve estender-se a todas as instituições semelhantes, sem excepção, a denúncia foi feita nuns moldes a provocar, mais uma vez, o linchamento em praça pública e não o julgamento em sede própria. Mascararam-se alguns dos intervenientes de bandidos, mas outros deixaram-se de lado. Como nos enterros do Judas do Carnaval na aldeia...  Nada se disse de membros de centros distritais da Segurança Social, de conselhos locais de acção social, de plataformas territoriais supraconcelhias, de autarquias, por exemplo. Todas estruturas com palavra na área de actuação da Raríssima.
Quando soam campainhas é preciso saber exactamente o que se passa e não alvitrar umas coisas, normalmente sobre quem tem maior visibilidade. Isso é mascarar o assunto e os resultados. E neste caso em concreto, foram sobretudo muito malévolos para a própria instituição, que é muito mais do que aquela figura que por ela dava a cara, e que, não sendo de graça, acabaria um dia por cair em desgraça. Com ou sem a companhia da jornalista que se veio meter no meio.
Mas voltemos ao Natal. A canção que conhecemos por “Jingle Bells” (“Um trenó puxado por um cavalo” é o nome original em tradução minha), é curiosa pois fala de quem quer ir passear de trenó sossegado e tem de apanhar com uma intrusa metediça. Para além de mostrar a importância das campainhas ao assinalar a passagem silenciosa do trenó que desliza na neve. Numa das quadras (ainda tradução minha) conta assim: “Há um ou dois dias atrás/Achei que ia dar um passeio/Não tardou a que a Menina Fanny Brás/Se sentasse no lugar do meio./O cavalo era magro e pouco forte/A má sorte parecia o seu fado/Fomos ladeira abaixo sem norte/ E lá ficámos com o trenó capotado.” (o que é uma espécie de versão da expressão portuguesa “deitar fora o bebé com a água do banho”). Jingle bells, jingle bells, jingle all the way!...