21.11.17

Homeostasia precisa-se!

Sou bisneta, filha, sobrinha de professoras. Estudei com muitos colegas que, ao fim de quatro anos em comum, optaram pela via então ainda certa e segura das didácticas para serem professores do ensino secundário. Optei por seguir pelo mestrado e fui parar a 140 quilómetros de casa, quando respondi a um anúncio de jornal para ser funcionária pública. Mudei de terra e fiz dela a minha casa até hoje, sempre ouvindo de uns que não era de cá, e da família que era “a prima ou sobrinha de Évora”. Nada disso me afligiu, nem aflige.
Sempre soube que teria de progredir na carreira prestando provas públicas. Desde o princípio que desconfiei que nunca a terminaria no topo e agora tenho a certeza. Isso não me aflige. Irei até onde puder, cumprindo com aqueles a quem devo a razão de ser da minha profissão, os estudantes. Mas também, porque para além de eles beneficiarem com a investigação que faço, outra parte da minha profissão, tento retribuir em actividade de extensão e transferência de conhecimento à sociedade que, com os impostos que paga, me paga o ordenado de funcionária pública.
Sei que não me adianta fazer aos meus filhos o discurso que ouvi aos meus mais velhos sobre arranjar um emprego estável para toda a vida. São hoje raras as profissões assim, pelo que eles sabem que ao longo das suas vidas, para ganharem a sua autonomia financeira com uma (ou mais do que uma) profissão, têm de prestar provas para a conseguirem, para a manterem, para progredirem. Talvez até tenham que atravessar várias fronteiras e milhares de quilómetros para correrem atrás do que mais lhes agradar ou convier. Já não posso dizer que nada disso me aflige. Mas porque se trata do futuro. Incerto como é sempre, única certeza na Vida para além do seu final que se deseja sempre o mais longe possível. A ordem natural. Aquela a que não nos habituamos facilmente, porque muda como os humores da Natureza que origina o adjectivo. Adaptamo-nos. Tento ensinar-lhes, aos meus filhos e aos meus estudantes, isso. Não sei se lhes será fácil ou se irão afligir-se.
O que me aflige é ter de explicar como a justiça reclamada por uns, a quem alteraram direitos adquiridos, não só põe mais a nú a injustiça de outros, cujos direitos são adquiridos todos os dias num recomeçar quotidiano, como é uma justiça que ignora que gerir o todo implica olhar as partes por igual. E que, se a gestão do todo falhar, serão as partes também a pagar essa falha. Mas já devia estar à espera, já que este é o País em que há empresários, comerciantes e até agricultores que queriam mesmo era ser funcionários públicos. Sim, isso mesmo, profissionais que funcionam pagos por dinheiros públicos.
O tão agora citado António Damásio gosta de falar da homeostasia. A homeostasia psicológica, que talvez seja a que me interessa para o caso, consiste no equilíbrio entre as necessidades de um indivíduo e o suprimento dessas mesmas necessidades. Quando essas necessidades não são supridas, acontece uma instabilidade, que pode ser solucionada com alterações nos comportamentos, que resultem na satisfação dessas necessidades. E a homeostasia também é usada para descrever um sistema que permite manter a estabilidade de um ambiente, passando do nível individual para o do colectivo.
E acrescento eu que, para além destas compensações, há também tanto a ganhar, até pessoalmente, quando nos pomos nos “sapatos dos outros” e nos afastamos do nosso umbigo. Nem que seja para nos olharmos ao espelho e vermos a nossa figura.