20.10.20

O homem do saco

 Do fundo da infância, várias figurações dos medos atávicos parecem reconstruir-se não apenas no adulto, como na fatia da sociedade mais chamada a entender o funcionamento da máquina social. O homem do saco, o papão, ou outras personagens com que se ameaça a criancinha que não come a sopa ou se precipita para a asneira, sem mais delongas em explicações racionais e educativas, parece ter encarnado no Novo Banco. De repente, quando tudo o que diz respeito a dinheiros parece explicadinho, até na imprevisibilidade que uma certa lógica poderia evitar, salta o papão do Novo Banco, o homem que nos mete num saco e nos faz desaparecer do mundo tranquilo a que não parecíamos estar a dar o valor suficiente.


A conversa do Novo Banco enjoa-me a vários níveis. O primeiro é logo a de o Estado lhe estar a dar dinheiro. É mentira: não dá, empresta. Aliás, todos sabemos essa diferença quando recorremos precisamente aos bancos, contraindo empréstimos, para adquirirmos alguma coisa nossa. Uma casa, por exemplo. Não é nossa, é também nossa e do banco. Se não a pagarmos, mesmo estando nós a usufruir dela, o banco vem buscá-la. Podemos dizer, numa outra lógica, que então mais vale ser o banco o dono da casa e eu pagar-lhe-ia uma renda, o que equivaleria, na situação do Novo Banco, à sua nacionalização. Mas assim eu não seria também dona da casa. Pergunto-me, então, se a melhor solução seria o Estado ser dono de mais um banco... E esta é uma longa explicação ideológica que me predisponho a ouvir, com dúvidas que me convençam (sim, as boas dúvidas são-me sempre muito convincentes quando estou perante a gestão do futuro).

Depois vem a discussão mais técnica, apanhando-nos na ignorância do mundo financeiro, e que quem já se meteu em algum assado perceberá como a solução que lhe propõem para dele sair é, tal-qualmente, aplicável à gestão de uma dívida deste caso: quem empresta prefere ficar sem nada ou com alguma coisa? Quem tinha de pagar, prefere pagar menos ou ver penhorado tudo o que tem?

Posto isto, sem que me embalem com palavreado mal usado ou engenharias financeiras, o que sei é que, neste sistema em que vivemos e de que muitos comem porque lhes sabe bem independentemente da digestão difícil, face a uma instituição que, a falir, arrasta consigo muito que beneficia a vida em sociedade, há a questão judicial que me rói. Apurem-se os culpados, arrestem-se-lhe os bens que poderão ajudar o Estado a comprar a dívida emprestando dinheiro para que os lesados pelo crime cometido possam recuperar, se não os juros pelo menos o capital que lá tinham. E aos políticos, comentadeiros ou gente que não percebeu que ao discutir um assunto pode ser mais produtivo querer saber mais do que servir de eco das parangonas dos pasquins em vários formatos, peço-lhes que não me tratem, a mim nem a ninguém, como caixa de ressonância dos seus muito pequeninos interesses pessoais ou corporativos, normalmente recheados de partidarite.