13.10.20

O cansaço

Estamos todos fartos da palavra Covid. Estamos todos fartos da máscara, das filas para entrar em lugares semi-vazios, do álcool gel, dos boletins de números com gente dentro, das teorias que se contradizem e que transformam a Ciência na Fé que já existe e não merece essa concorrência. Estamos fartos disso tudo, isso que é só um problema menor. Problema de primeiro mundo, pois se é aquele em que vivemos mesmo quando nos queixamos da “choldra” a que içamos bandeira e entoamos, emocionados, o hino, noutras ocasiões.

Fartamo-nos dos efeitos e permitimos que a causa faça o seu percurso. E exacerbe bitaites, e faça equações impossíveis, e nos afogue em ais, e nos reúna no escurinho (que o que não se vê não conta, é como os chocolates comidos às escondidas que não engordam), e nos faça esquecer que ao soutien e à gravata fomos ganhando até gosto e cultivando estilo. E, sobretudo, que de fartos que estamos da palavra - pois a causa foi fazendo o percurso que o cansaço deixou aberto - a passemos a usar como uma boa desculpa, numa incoerência que abre alas a tudo quanto é mau. Assistimos ao que se pode resumir, em poucas palavras, por simulacros de preocupação e eficiência misturados com oportunismo para mascarar incompetências várias.

Resistir, em tempos de guerra, de crise, de dor, é também não nos deixarmos vencer pelo cansaço. Tal como permitirmos que nos tratem de uma doença, como em princípio queremos, é sermos, e sabermos que somos, pacientes. Ao fim destes oito meses (meses, senhores, não são anos, não é 14-18, nem 39-45!) e com o que ainda falta até que a pandemia morra, das duas, uma: ou ajudamos a acabar com o vírus-culpado e seguimos a táctica acordada por quem tem de, e escolhemos para, governar; ou desculpamo-lo, deixamo-lo seguir o seu rumo sem remorsos, e não nos podemos queixar mais dele. Já temos um vírus, poupemo-nos à doença do cansaço de primeiro mundo, por favor.