31.1.23

O País é Marcelo?

Julguei que o assunto altar-palco-altar (assim mesmo, como os toiros nos cartazes tauromáquicos) ia morrer, mas não. E tudo espremido como tem sido, pelo menos até ontem à noite, foi pelo tom pueril, que caracteriza a expressão verbal do Presidente da Câmara de Lisboa, que a utilidade do assunto se me revelou.

Curiosamente, e porque é bom encontrarmos sentidos a expressões batidas como é uma das minhas preferidas, do Sérgio Godinho, que diz que “isto anda tudo ligado”, foi no seio da religião, origem para todos os efeitos de tanto das mentalidades colectivas, que a revelação chegou.

Quando Moedas, exasperado e a falar na terceira pessoa, se exalta e diz, no dia 26 de Janeiro, que o País tem de decidir se quer cá, ou não, o evento das Jornadas Mundiais da Juventude, percebemos que o país é Marcelo, e é Marcelo quem cutuca tudo quanto é actor de governação neste país. Desta vez, desviou-se do governo do PS e cutucou, se calhar até inadvertidamente (vamos ser ingénuos e dar benefício da dúvida), um dos seus. E o autarca ressentiu-se e defendeu-se, revelando o modo de funcionamento do que são as “colheradas” de Marcelo: afirmou, quase aos gritos, que fará tudo, e o evento será, o que o PR e a Igreja quiserem.

Dois dias depois de se contarem dois anos da sua reeleição, Marcelo Rebelo de Sousa quase se enredou na sua teia, mais uma vez com números, agora para achar muito, novamente em assunto da Igreja Católica, que saiu reciprocamente em sua defesa. E à Igreja acorrerá sempre, como consistente praticante que é, até à Extrema Unção. De resto, não há como não reconhecer a coerência desta forma de vida de um cidadão. É também o elogio mais comum e generalizado que se faz ao povo do PCP, a coerência, mas adiante.

Por tudo isto, também é tão importante, sem necessariamente ser de forma suspeitosa ou conspirativa, entender o Povo quando este analisa relações: “Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és”. Marcelo só andará sempre ao lado da Igreja, porque é esse o interesse muito seu, é o que lhe garantirá o lugar em que acredita quando sair deste Mundo. Como não aceitar esta postura a um crente? Compreensível até, mas a quem não é “o” Marcelo Rebelo de Sousa.

Se, jocosamente, andamos em modo de apontar a falta de memória de curto-prazo a membros do Governo - são casos e casinhos, sim, a resolverem-se, ou pelo menos a tentar-se, para que não prejudiquem o dia-a-dia dos cidadãos -, vale a pena não alimentarmos a desmemória do que é maior, por permitir-nos ver de cima, mais e mais longe. E não nos esquecermos destas arqui-estruturas ancestrais de relações que vão muito para além da Fé.

Que este sobressalto (não há interesse em chamar-lhe caso ou casinho, claro) permita fazer-nos estar atentos e perceber, precisamente, que cada sobressalto, cada caso, cada casinho, mesmo se, por algum milagre, vier a deixar de ser comentado em directo, ao vivo, a cores, por Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente, tem borrifos da sua benção.

Como não vale a pena irmo-nos queixar ao Papa - já lá foram, sem sucesso - talvez seja de lhe agradecer o sobressalto que deixou isto tão evidente.