17.1.23

Os rola-bosta

“O besouro rola-bosta tem um cérebro mais ou menos do tamanho de um grão de arroz, e, ainda assim, pode fazer coisas que não poderíamos nem imaginar. Basicamente, ele é todo desenvolvido para lidar com a sua fonte de comida, que é o estrume.” A explicação, encontrada à distância de um polegar, dada por alguém apresentado como especialista neste escaravelho (Marcus Byrne), em que se acrescentou o detalhe do tamanhinho do seu cérebro como para desvalorizar o outro bicharoco que tem e usa a “massa cinzenta”, é mais uma leitura extensiva da vida da criatura. Este acumular diligente natural torna-a personagem predisposta a metáforas satíricas.

A imagem lembrará o papel mais fácil, básico e pouco esclarecedor de qualquer oposição que apenas quer substituir quem está num lugar almejado: aproveitar a porcaria feita pelo adversário e dela se alimentar para protesto. Mas, sinceramente, o deslumbramento que a habilidade do escaravelho rola-bosta causa nos espectadores é que me parece uma imagem interessante para ser lida. Até triste, se descartarmos o factor curiosidade sobre a zoologia, sempre de louvar. É que tal reacção entusiasta para com esta estranha forma de vida em que assistimos a criaturas sem neurónios fazerem habilidades para sobreviverem, parece-me ir mais atrás da capacidade da “chico-espertice” do que da reflexão e dignidade do comportamento humano.

O rola-bosta é o que é, mesmo que o imaginemos protagonista de uma curta de desenhos animados: um insecto que age furtivo e rasteiro, como se aos mamíferos a bosta ainda lhes fizesse muita falta, e quando no fundo só está a evitar que outros rola-bosta lhe fiquem com o fardo que demorou a acumular. Podem agir como os mais espertos do pedaço, mas são e serão sempre rastejantes.

Encontramo-nos algumas vezes na vida com gente, mamíferos, que se julga mais esperta e diligente expondo, simultaneamente, algum orgulho em actuar furtiva e rasteiramente. Também nos cruzamos com quem use esses rola-bosta, seja por táctica ou por preguiça. E que no fim não apenas os aplauda, como ache incrível que não haja mais a aplaudi-los por esse lidar com o excremento e espere que se desça até ao mesmo nível. Pessoas assim, por mim, podem esperar sentadas… .