7.2.23

O mal dos outros

 Enquanto o “tudo ou nada”, posição irracional em qualquer processo a que se queira chamar negociação, parece atingir os que, em princípio, usam o lugar onde mora o racional nos corpos das pessoas, persiste nas ruas e televisões portuguesas, percebemos que no Reino Unido também o ambiente começa a desequilibrar-se. Como, de resto, já antes dos desestabilizadores anos dos confinamentos e dos bombardeamentos, sempre muito pioneira nestas coisas de revoluções que saem à rua, em França as exaltações vestiram colete amarelo. Mas, como todos sabemos, até os que enchem a boca com a palavra empatia, em fusão modernaça com a velhinha solidariedade, com o mal dos outros podemos nós bem. 

Agora que as televisões, e até a internet onde não há só jogos nem concursos de futilidades, nos tentam mostrar uma rua mais larga e mais longa, também já devíamos ter percebido que o mal dos outros, mais cedo ou mais tarde cá chegará. O que de mais preciso e concreto serve de exemplo a isto mesmo até teve nome próprio e efeito baptizado: o Corona e a Covid. Estes cruzamentos que, por facilitação didáctica, compartimentamos para estudar e conhecer melhor, num nível superior e mais desenvolvidos o conhecimento e a atitude, impõem-se como leituras e propostas de aplicação ao serviço de quem se ocupa de outras dimensões da vida que partilhamos com todos os outros, quer queiramos, quer não. 

Ignorar isto é tão mais triste quanto fácil é arrebanhar gente que esteja descontente e frustrada, à espera que alguém resolva os seus problemas muito seus, antes de perceber se essa solução que esperam não trará a outros muitos mais descontentamentos, frustrações e mal-estar (também os baptizámos há não muito tempo: Troika). São estes pastores de rebanhos, que dão nome próprio a siglas ou substantivos abstractos, os guias que têm como pilar fazer do mal dos outros o seu, muito seu, bem-estar. 

E atenção, mesmo que, na tal expressão do mal dos outros, possamos cruzar-nos com quem queira mesmo encontrar final alternativo: esses heróis (normalmente saem cedo de cena ou não acabam bem, nem bem vistos), ao mal dos outros distribuem-no pelas aldeias, para simultaneamente também recolherem e distribuirem o bem que encontram e têm. Chama-se negociação. Há quem prefira revolução. Para esta preferência, tão romantizada, fica a pergunta: querem mesmo virar tudo, mesmo tudo, ao contrário?