3.1.23

O espumante dos dias

 Que final de ano este, estratosférico e em dominó! Foi a bolha mediática a borbulhar em noite de Consoada, oferecendo-se a si própria uma prenda com asas, de maneira a chocar com a bolha política nacional, na qual a bolha marcelista efervesceu, reactiva como de costume, logo a seguir à Missa do Galo, originando, nos dias seguintes, o procedimento habitual que, na sua própria bolha, distrai o governo da governação e o ensimesma na sua vidinha, mas cuja distracção é uma festança para a bolha da oposição. E ainda não tínhamos chegado ao foguetório e às bolhinhas de espumante do Réveillon! O Réveillon é aquele momento sincrónico que mistura numa grande bolha-multidão, chamada Povo, as alegrias públicas e os desejos privados para recomeços. Falo, naturalmente, do caso TAP que em novo vôo levou consigo Ministro e Secretários de Estado. Enfim, o 2022 da bolha político-mediática terminou como um grande caldeirão-jacuzzi, nem sei bem se de água fria ou em ponto de cozer criaturas. E que promete continuar disponível em 2023.


Em 2015, ano do nascimento da Geringonça, escrevi sobre como os poderes da AR ao saltarem para as luzes da ribalta da nossa Democracia nos obrigaria a estarmos mais atentos ao que lá se passa e ao que de lá sai para influenciar o que governa ou impede o governo da vida dos cidadãos. E fomos assistindo ao nascimento de uma nova classe de comunicadores, em full ou part-time: os “political junkies” - que são, no meu entender, aquelas pessoas a quem o que mais interessa e ocupa os dias é a vidinha da política e a vida dos politicozinhos (o diminutivo refere-se à intimidade com que estes interessados normalmente encaram as figuras proeminentes do palco político, diminutivo que não apouca mas afaga com estima); são gente atenta que, como toma naturalmente partido porque tem opinião, nem sempre é isenta na sua agenda.


Em 2023, parece-me que se pode passar a uma outra atitude, complementar à atenção ao que acontece na AR. Uma vez que quem nos permite o escrutínio é o poder da comunicação social - e esta anda, competentemente na escavação de factos, de microscópio em punho, caso a caso - proponho que aos comentadores - (a maior parte dos tais “political junkies”), parte importante embora um pouco repetitiva (ou seja, os mesmos sempre em palco ou vários palcos) da comunicação social - proponho que coubesse o papel de olhar o conjunto e o horizonte. Falo de perceber antecedentes e consequências do que se comenta, com a consciência de que querer fazer opinião e conseguí-lo é um trabalho muito duro. E que pode inclusivamente ter impacto nas funções que opinadores venham a ser chamados a desempenhar, em particular em cargos executivos.


Curiosamente, esse palco mediático-político (tv’s e imprensa escrita) está a receber por estes tempos protagonistas mais reconhecidos no mundo da stand-up comedy (será um efeito Zelensky?). Aliás, estes profissionais passaram a estar em vários palcos (vi até um deles a comentar em telejornal o Mundial de futebol), numa interdisciplinaridade que, não sendo nova, certamente se poderá aperfeiçoar com tanta competência na disciplina de origem - a comédia - como na nova - a política, até da bola. Temos um caso brilhante, que todos devem conhecer, figura culta, informada e, claro, com aquele dom de nos fazer rir mesmo quando nos apetecia chorar ou, vá lá, praguejar. Mas outros começam já a aparecer, ainda titubiantes e infelizmente recorrendo à popular incoerência e desmemória típica de “conversa de debaixo dos arcos”.


Para estas conversas, bem catitas diga-se, há já toda a tal multidão que brindou com espumante no Réveillon, e cuja qualidade, a do líquido porque a outra, a da conversa, é transversal, vai oscilando com a disponibilidade do poder de compra. É a multidão que se concentra nas bolhinhas que trazem bem-estar ou azia, sejam elas trazidas pelos bem ou mal amados produtos que inebriam os “political junkies”. A esta multidão - que, afinal, é quem mais ordena e de que todos acabamos por fazer parte ciclicamente - faço um brinde de votos de um bom 2023. Bom porque os tempos não estão para querer o óptimo, não vá o destino pôr-se em jogadas e tornar-se inimigo e cruel…