10.1.23

Censura & Escrutínio Ldo.

Na semana que passou, sem surpresas, um voto de censura transformou-se num voto de confiança. E simultaneamente, com surpresa, o Presidente da República com a sua incorrigível pressa de fazer as coisas a despachar, e toda a oposição também de comentadores em frémito, entregou à comunicação social a tarefa de escrutínio dos governantes. De agora em diante, estejamos disso conscientes, o mérito absoluto para chegar a cargos de governação terá parâmetros não de competência técnica ou política, mas ao nível da multa de excesso de velocidade ou da ocasional bebedeira viralmente divulgada nas redes do jovem rebelde da família. Os maus exemplos, como sabemos, espalham-se mais depressa e facilmente do que os bons.

Ser político é, desde há muito, das funções mais mal afamadas que se podem desempenhar, daí acontecerem afirmações, que assumo já ter também proferido, de que não se “é” um qualquer cargo político, mas se “está” nesse cargo. Claro que isso é também um acepipe para a maledicência fácil (a que tem graça à primeira e se esgota em repetições patetas), quando colegas de profissão, por exemplo professores, dizem que fulano era bom Secretário de Estado, e colegas de Governo, ou Partido, que era bom professor.

Esta situação, pelos vistos agora em em processo de mutação, tem levado a que candidatos a cargos políticos acenem os seus diplomas profissionais como as melhores credenciais para certas funções políticas. E que os que estão de facto ancorados aos Partidos e à Política aproveitem esses créditos sem um único ponto válido na actividade política para “vender” como o menos mal-afamado candidato e, lógica mas incompreensivelmente, o melhor candidato para o mal-afamado e triturador lugar político. Percebemos, então, que o cargo político está em boa posição para alcançar o pódio dos mártires.

Que longe estamos dos tempos em que se ouvia com confiança alguém dizer que um Político se assume… E que pena não deixarmos à geração dos mais novos um caminho em que, ao invés de quem se predispõe a gerir “a coisa pública” esteja de olhos no chão à procura de minas e armadilhas, preste muita atenção ao crescimento dos monstros do populismo que se estão a multiplicar. Alimenta-os o canto que embala com o mantra do “eles são todos iguais e andam todos ao mesmo”.

Por aqui, mantém-me outro farol que sigo para o que realmente importa e de que a Política é parte, mesmo no gesto mínimo: a voz que ainda me vai sussurrando “só é vencido quem desiste de lutar”.