24.1.23

Isto & aquilo, etc & tal

Hoje apeteceu-me dar folga aos assuntos sérios, os dos destinos políticos, e discorrer um pouco sobre assuntos mais ligeiros, que dizem respeito a estados emocionais, daqueles que com o tempo passam. Assim, deixando de lado os conflitos de interesses nos cargos e as questões laborais e legais, dei mais atenção aos conflitos pessoais e às questões motivacionais. Se bem que tudo isto, estes “ai-ais”, são campos próprios de sociedades democráticas, de sistemas que convivem e dependem do capital e das “comodidades” que trazem alegrias às pessoas. E foi assim que procurei as notícias, as reacções e os comentários sobre as recentes intervenções públicas de Shakira e de Cristina Ferreira. Procurei com os meus limites, bem entendido, porque não sei assistir, defeito meu que assumo inteiramente, ao programa que parece ser o pináculo das tribunas destes assuntos de passadeira vermelha, onde vai buscar o nome.

Sou completamente analfabeta nestes territórios: baralho-me nos laços familiares, nos episódios das vidas, nos feitos alcançados, nas heranças com que garantem o futuro dos seus frutos, nas marcas ferradas em objectos úteis e bonitos: uma incompetência. Resumindo, fiquei-me pelas “gordas” e pelas piadas. O que, no fundo, é também o que faz muito cidadão em relação aos tais outros assuntos que hoje pus de lado e me levam a escrever estas crónicas e a procurar companhia para discussões agradáveis de café que entremeiem com conversas de amigos, mais íntimas, ou partilhas de opinião que derivam de outros interesses comuns que unem convivas.

Às duas personagens famosas, cada qual ao seu nível, que se mexem nesse mundo cujos modos de vida parecem ser arquétipos do saber ser e viver, não lhes bastou no currículo a linha na competência que as promoveu: o palco para Shakira, a cena empresarial para Cristina. Uma parece que resolveu recorrer a exorcismos encantatórios de multidões arrastadas pela universal linguagem da música, para angariar solidariedade e ultrapassar a dor da traição; outra, a dar para pastorinha, confidenciando em lágrimas a visita em lugar inusitado, herdeira directa da Cinderela, aparição que lhe valida a honestidade do percurso rumo ao sucesso, conseguindo sem mácula a conquista da fortuna. Enfim, a mim aquilo da cantiga despeitada explicitamente dirigida ao ex-marido e a encenação da medalhinha da Nossa Senhora no sapato caro, que parece o final feliz da cantiga infantil que começava com “A barata diz que tem sapatinho de veludo”, aquilo tudo me pareceu oportunismo, raivoso ou lamechas, dissolvido em champagne mal empregue.

Mas se tivemos aquilo, depois tivemos isto… E isto também tem nome de mulher, nem anjo nem demónio: Jacinda Ardern. Só não lhe estenderia a passadeira vermelha porque, mesmo com o estilo que impôs à acção política num lugar, a Nova Zelândia, que tem a escala difícil de ser ao mesmo tempo um país bem conhecido com o tamanho humano das terras pequenas, Jacinda desistiu. Mesmo que pareça que poderá voltar. E talvez porque adivinha a luta de agora inglória, como todos disso se apercebem quando estão nestas lutas. Ora, nas funções políticas, a resistência, como já todos percebemos, é o super-poder que ainda distingue, com ou sem QGA (questionário geral de acesso) quem merece permanecer em funções.

Destes mediáticos episódios de mulheres podemos sempre retirar lições: o que parece ser louvável e causar impressão ao público é a necessidade de sobrevivência pessoal, com raiva desculpável, crendice que confunde crentes, ou um “vou à minha vida” como se a outra não tivesse também sido desejada e escolhida. É o instinto de sobrevivência que as três mulheres partilham, cada uma com o seu nível, e encenam ao seu nível. Mas não me venham pedir que compreenda, nos casos de purpurinas e saltos altos, nem que não me desiluda com o caso da mulher-mãe-presidente. Talvez valha a pena voltar por inteiro aos tais temas sérios, que estas pausas não me dão descanso nenhum.