A Paula
estudou para psicóloga, mas não quis ser mais uma no meio de tantos que até
podiam ser confundidos com os que queriam mesmo era ser médicos mas não tiveram
média. Enveredou por um bem sucedido e acarinhado, por quem a foi avaliando,
caminho de investigação, a pura e a aplicada ao seu contexto profissional. Tal
como outra Paula, que queria ser doutora para poder gerir uma associação e ser
uma senhora muito, muito boazinha, esta Paula, que também é Teresa, encontrou a
oportunidade de aplicar alguma da muita coisa que aprendeu na faculdade,
juntando ao sonho que desde cedo muitas crianças têm de aparecer na televisão,
fazer o bem, qual missionária, a muita gente, a muito mais gente. E a saída era
através daquele espelho, o “black mirror” que está em casa de toda a gente. A
Paula queria, no País dos Educadores, entrar para o Outro Lado do Espelho. Mas
não teve a vida fácil, porque num país de gente que acha sempre tudo e mais
alguma coisa sobre quase tudo de que só sabe alguma coisa, quem percebe de
crianças e pais são, naturalmente todos os que são pais de crianças e se
preocupam com isso, bem como aqueles que quando os pais não estão têm de fazer
de conta que o são, ou ainda os que ajudam os pais que não sabem como hão-de
ser pais a não fazerem muitas asneiras. Também há muita gente que estuda
Educação e ajuda os decisores políticos a legislar e gerir nesta área.
Já perceberam
que o assunto é a polémica em torno do programa de um canal privado que copiou
o modelo de mais um “reality show” de sucesso em países até do primeiro mundo e
onde, provavelmente, só leva a sério este tipo de programas quem também
acredita na taróloga da madrugada, no cálcio e mangostão milagrosos da manhã e
da tarde, ou dos magníficos “gadgets” para o lar e para o corpo que se exibem
noite dentro. Mais, um programa que expõe quem voluntariamente decide, por si e
por quem tem o poder de decidir, os menores neste caso. Como noutros se expõem
casos de crimes por resolver que devem enfurecer qualquer detective da
Judiciária. O azar da Paula é que este não é um país de detectives mas um país
de educadores e de muitos especialistas em Educação. Parece-me até que, em
tempos, houve um programa que tinha um Juiz que decidia sobre casos bizarros, e
outro ainda em que um conhecido jornalista, filho de escritora e poeta maior da
nossa Língua, debatia com uma futura Ministra da Justiça casos não menos
populares simulando o ambiente de tribunal. Um filão que o canal de TV
aproveitou e, lançando a rede mais uma vez, até conseguiu apanhar uma polémica
que lhe aumentou a audiência.
Parece que as instituições que podiam ser apontadas
como responsáveis quer sobre o programa, quer sobre as realidades ali
espelhadas, mesmo as que o são com reflexos aumentados ou distorcidos como na
Feira Popular, já estão alertadas e a fazer o seu papel. Era bom que o canal de
televisão explicasse bem as suas opções – a de programar e a de retirar – para
todos aprendermos um pouco mais. E que não dê a imagem dos argumentos que
suspenderam há décadas as entrevistas históricas do Herman. Aliás, agora mais
do que nunca, em matéria de TV temos sempre algumas boas alternativas: mudar de
canal, se a raiva for contra o canal, ou dissecar peça a peça o que ali se passa,
para além dos desabafos de indignação, em lugares normalmente de ambiente
educador, formal ou não, e aproveitando para dar mais audiência ao canal. Não
vale a pena é entrar no pesadelo e mandar cortar a cabeça a alguém.