30.1.18

No País dos Educadores e Do Outro Lado do Black Mirror

A Paula estudou para psicóloga, mas não quis ser mais uma no meio de tantos que até podiam ser confundidos com os que queriam mesmo era ser médicos mas não tiveram média. Enveredou por um bem sucedido e acarinhado, por quem a foi avaliando, caminho de investigação, a pura e a aplicada ao seu contexto profissional. Tal como outra Paula, que queria ser doutora para poder gerir uma associação e ser uma senhora muito, muito boazinha, esta Paula, que também é Teresa, encontrou a oportunidade de aplicar alguma da muita coisa que aprendeu na faculdade, juntando ao sonho que desde cedo muitas crianças têm de aparecer na televisão, fazer o bem, qual missionária, a muita gente, a muito mais gente. E a saída era através daquele espelho, o “black mirror” que está em casa de toda a gente. A Paula queria, no País dos Educadores, entrar para o Outro Lado do Espelho. Mas não teve a vida fácil, porque num país de gente que acha sempre tudo e mais alguma coisa sobre quase tudo de que só sabe alguma coisa, quem percebe de crianças e pais são, naturalmente todos os que são pais de crianças e se preocupam com isso, bem como aqueles que quando os pais não estão têm de fazer de conta que o são, ou ainda os que ajudam os pais que não sabem como hão-de ser pais a não fazerem muitas asneiras. Também há muita gente que estuda Educação e ajuda os decisores políticos a legislar e gerir nesta área. 

Já perceberam que o assunto é a polémica em torno do programa de um canal privado que copiou o modelo de mais um “reality show” de sucesso em países até do primeiro mundo e onde, provavelmente, só leva a sério este tipo de programas quem também acredita na taróloga da madrugada, no cálcio e mangostão milagrosos da manhã e da tarde, ou dos magníficos “gadgets” para o lar e para o corpo que se exibem noite dentro. Mais, um programa que expõe quem voluntariamente decide, por si e por quem tem o poder de decidir, os menores neste caso. Como noutros se expõem casos de crimes por resolver que devem enfurecer qualquer detective da Judiciária. O azar da Paula é que este não é um país de detectives mas um país de educadores e de muitos especialistas em Educação. Parece-me até que, em tempos, houve um programa que tinha um Juiz que decidia sobre casos bizarros, e outro ainda em que um conhecido jornalista, filho de escritora e poeta maior da nossa Língua, debatia com uma futura Ministra da Justiça casos não menos populares simulando o ambiente de tribunal. Um filão que o canal de TV aproveitou e, lançando a rede mais uma vez, até conseguiu apanhar uma polémica que lhe aumentou a audiência.

Parece que as instituições que podiam ser apontadas como responsáveis quer sobre o programa, quer sobre as realidades ali espelhadas, mesmo as que o são com reflexos aumentados ou distorcidos como na Feira Popular, já estão alertadas e a fazer o seu papel. Era bom que o canal de televisão explicasse bem as suas opções – a de programar e a de retirar – para todos aprendermos um pouco mais. E que não dê a imagem dos argumentos que suspenderam há décadas as entrevistas históricas do Herman. Aliás, agora mais do que nunca, em matéria de TV temos sempre algumas boas alternativas: mudar de canal, se a raiva for contra o canal, ou dissecar peça a peça o que ali se passa, para além dos desabafos de indignação, em lugares normalmente de ambiente educador, formal ou não, e aproveitando para dar mais audiência ao canal. Não vale a pena é entrar no pesadelo e mandar cortar a cabeça a alguém.