6.2.18

São rosas, senhores, são rosas...

Permitam-me que comece por lhes contar uma história. Era no século XIII e em Portugal, quando a mulher de D. Dinis, D. Isabel de Aragão, ocupava o tempo a fazer bem a quantos a rodeavam, distribuindo esmolas pelos pobres. Ora, conta a lenda que o rei, já irritado por ela andar sempre misturada com mendigos, a proibiu de dar mais esmolas. Mas, certo dia, vendo-a sair furtivamente do palácio, foi atrás dela e perguntou o que levava escondido por baixo do manto. Era pão, e ela, aflita por ter desobedecido ao rei, balbuciou: - São rosas, Senhor, são rosas! - Rosas, em Janeiro?!- duvidou ele. Cabisbaixa, a rainha santa abriu o regaço: o pão tinha-se transformado em rosas, tão lindas como jamais se viram iguais.
Ora este Janeiro fechou em Portugal com uma série de acusações e detenções de gente que, presumivelmente, levava ou teria levado no seu regaço o que estaria legalmente impedido de levar. Fosse para beneficiar outros ou gratificar-se a si próprios – normalmente isto até acontece cumulativamente – o que é certo é que as razões de tais iniciativas, uma vez constituídas enquanto tal, ou seja enquanto suspeita de crime, estariam cobertas de... razão. O que é crime é crime, e o sistema está construído de forma a que, consoante o crime, assim a penitência.  É a justiça dos homens, não universal, o que torna alguns lugares num inferno, outros, mais raros, em paraísos, normalmente fiscais, e outros, numa espécie de ou purgatório ou limbo, num “tem-te-não-caias”.

O lado caricato de toda esta situação é, de facto, o ela ser caricaturável. Se a diligência com que, quem de direito e dever cumpre as suas obrigações, e as cumpre investigando onde há, ou dizem que há, cheiro a esturro, é positivo e devia ser obrigatória em todos, mas todos mesmo, os casos suspeitos. Já a negligência com que se cuida do que devia ser segredo de justiça, quando decretado, é a todos os títulos condenável. Recordo que o segredo de justiça vincula não só as pessoas directamente envolvidas num processo, mas também quem aceder a elementos dele, por exemplo jornalistas, seja por que meio for. A rotina com que a medida do segredo de justiça é aplicada no nosso país tem resultado numa óbvia negativa banalização e, talvez consequente, manipulação com fins politiqueiros e populistas que em nada contribuem para a saúde de uma sociedade democrática civilizada.

O ridículo de se tornar público que se desconfia, levando muitos em praça pública a julgar sem saber, que no regaço de uns quantos vão, não rosas, mas livros, revistas e bilhetes de ir à bola, acontece não porque esses não se transformarão em rosas e por isso a acusação seria justa e penalizável, mas porque ajudam a que aqueles que levam muito mais do que livros, revistas e bilhetes de ir à bola, os que fizeram da sua actividade um fartar vilanagem, passem a poder também reclamar, pelo menos durante algum tempo em que, mesmo em Janeiro, aquilo são rosas.

A D. Isabel de Aragão mentiu ao marido e isso foi feio. Lá entre eles, naquele tempo, a coisa não deixaria a senhora, apesar de santa pelas suas boas e louváveis intenções – aquelas de que o Inferno também dizem que está cheio -,  como alguém que mudou alguma coisa na política assistencial do seu marido e rei D. Dinis. Mas isso agora já não interessa nada. O que interessa agora é que haja quem explique, sem meios segredos, o que deve ser público e que cale o que tem de ser segredo. Quanto aos meios de comunicação social, bom, se vamos começar a matar os mensageiros estamos mal e vamos ter de concordar com o 45 da Casa Branca. É isso que queremos? É isso que a comunicação social quer? Se calhar... é que para muitos uma mão lava a outra e as duas lavam a cara. Não gosto nada desta maneira de existir.