É
inconcebível que o exercício comprovado de violência de um ser humano sobre
outro não seja punível na sociedade civilizada contemporânea. Tratemos, pois,
de começar por definir violência, porque, sim, as palavras importam, designam
conceitos e são estes que nos permitem contarmo-nos a nós mesmos e vivermos
numa comunidade que depende da comunicação estabelecida entre os indivíduos
para se entenderem. Partamos de uma definição básica: “Violência significa usar
a agressividade de forma intencional e excessiva para ameaçar ou cometer algum
acto que resulte em acidente, morte ou trauma psicológico.” Prossigamos para um
esclarecimento histórico: “A palavra violência deriva do Latim “violentia”, que
significa “veemência, impetuosidade”. Mas, na sua origem, está relacionada com
o termo “violação” (violare).” A violência pode começar por não ser
intencional, mas a partir do momento em que esse acto aparentemente involuntário
provoca vítimas, é porque é violento e, como tal, condenável. As leis prevêem
isso. Assim, qualquer denúncia de alguém agredido, isto é vítima de violência,
deve ser atendido pelas autoridades que se ocupam da ordem e, numa outra etapa,
da justiça. Tem esta crónica de hoje como assunto o choque das Divas sobre o
acossamento de que sobretudo mulheres, mas não só, são vítimas em casos de
violência de cariz sexual: as que desfilam na passadeira vermelha em L.A. e as
que pegam na pluma em Paris para trazer a luz ao resto do mundo. Ou pelo menos,
tentar.
O assunto
nasce agora para a discussão aberta que a contemporaneidade permite, mas a
questão é velha como a espécie humana. E agora é o tempo em que toda a gente
diz tudo onde bem lhe apetece, o que entope canais de informação, produzindo
“engarrafamentos” que resultam muito mais do mirone ou de quem pasma perante
uma ocorrência para apreciar e emitir uns palpites, do que quem quer pôr tudo a
circular com a regularidade possível após o sucedido e prevenindo que
semelhante caso possa vir a repetir-se. As Divas vieram pronunciar-se sobre o
assédio sexual, de que muitas foram vítimas antes mas só agora ousaram falar e,
não vejo como ignorá-lo, algumas até terão chegado a Divas por causa da não
resistência, no passado que agora denunciam, à violência, má, sempre má, a que
tiveram de se sujeitar.
Parece tarde, mas não é inútil. Antes pelo contrário,
se discutida por quem sabe – saber feito de experiência própria ou próxima, sem
extremos de puritanismo ou promiscuidade
- pode mesmo representar a oportunidade para que alguma coisa mude,
mesmo quando parece impossível parar a prática do assédio sexual na espécie
humana. Talvez fosse é de se procurarem exemplos daquelas, e aqueles, que tendo
resistido à violência não conseguiram o sucesso profissional, já que é disso
que as Divas de preto em L.A. sobretudo falam. Já as Divas de Paris, parecendo
defender o instinto mais básico e bestial do ser humano, usam um discurso para
intelectualizar descuidadamente o assunto, infantilizando o agressor para não
aumentar a vitimização da vítima, uma óbvia contradição, numa argumentação em que
mostram o quão pouco importunadas sexualmente alguma vez aquelas mulheres
foram, confundindo sedução com qualquer outro acto para quem não se predispôs à
quebra de limites estabelecidos ou nem sequer procurou a intimidade em momento
algum. Uma coisa é certa, num e noutro caso, um com respeito pela igualdade,
outro com acento na desigualdade que a Natureza parece desculpar, isto é para
ser tratado como um assunto que diz respeito a homens e mulheres, sem “caça às
bruxas” e, perdoem-me o calão, não como uma “cena de gajas”.