17.10.23

A política e a religião entram num bar…

Uma possibilidade para aligeirar um tema ou assunto fracturante, e que não seja sequer facilmente risível, pode ser continuar a levar figuras que conflituam entre si a “entrarem num bar”. Não ficamos à espera de piadas, mas fazemos da gravidade uma conversa de café ou, como preferimos aqui em Évora, de “debaixo dos arcos”. Reconhece-se a importância do assunto, trocam-se opiniões, acendem-se discussões se as opiniões forem inabaláveis e opostas entre os envolvidos que tomem partidos diferentes.
Quando as opiniões são sobre conflitos duradouros, como o de que agora todos ouvimos falar e vemos acontecer, e reclamam algum pingo de humanidade a quem se sente ao ponto de sobre eles falar, à discussão parece juntar-se, com mais força e menos argumentos, a busca da culpa. Na conversa, como na realidade, o resultado parece ser nenhum, o que parece justificar a duração dos conflitos e a aparente inocuidade de se tornarem em anedóticas conversas de café.

É na busca desta culpa que, por atavismos, traumas ou mesmo defeitos de carácter, se tende a generalizar, a descontextualizar, a censurar factos para caberem nos retratos que queremos mostrar. Ignoram-se história e circunstâncias e perpetua-se essa ignorância para fazer sobreviver as suas tribos. Voltemos, então, ao tema em concreto.

A não-partilha do espaço da Terra Santa, o que confere identidade para quem precisa, para além de um chão de origem, um lugar para sobreviver, é sinónimo do que é feito em nome de Deus e não coincide com o que é feito em nome dos Povos. Religião e Política são conceitos com muito mais afinidades do que aquela cerimónia, as boas-maneiras, com que são tratados para não indispor pessoas em salões de jogo social. Se não falamos delas nesses lugares de lazer é porque estamos conscientes das regras ali seguidas. Fazê-lo é arriscar a desagradabilidade e não saber retribuir a hospitalidade de quem nos recebe para o ócio. Talvez por isso, quem não tem a possibilidade ou o hábito de frequentar espaços de debate se fique por conclusões genéricas, o que não tem mal nenhum, até ao dia em que o mal, ou o resultado dele, nos bater à porta. Se nunca pensámos nas origens do incómodo, nos vários patamares em que se exacerba, numa recorrência pouco dependente da passagem do tempo regular rumo a progressos nunca garantidos; se nunca avaliarmos tudo isto a discussão é estéril e, de facto, nem vale a pena o incómodo incomodar-nos. Mas quando não é assim, infelizmente a solução também não acontece e replica-se o jogo de salão. Na certeza, porém, de que ficará uma espécie de réstia de esperança: como se aquela discussão contribuísse para a opinião pública mundial - uma utopia mesmo na globalização - e possa vir a contribuir para que à disponibilidade de discutir o assunto, quando no bar em que entraram Política e Religião aparecerem as vítimas dos seus conflitos, os outros “clientes” revelem o tal pingo de humanidade que não impeça o socorro sem julgamentos apressados.

E é assim que, sentada confortavelmente a assistir no ecrã monstruoso onde desta vez não passa um jogo de uma qualquer final de campeonato, no mesmo bar onde a Política e a Religião entraram, declaro os dois princípios que pautarão qualquer discussão em que me envolva: distinguir quem está no poder sem ser em nome da religião, o que não é forçosamente mau, de quem usa a religião para contaminar o poder e enganar quem crê sem questionar, o que é sempre mau; e, também assim, e aqui no caso concreto, me declaro nem anti-semita, nem islamofóbica.