6.6.23

Desporto e malformação de carácter

Nada tenho contra, e até incentivei sempre enquanto eduquei filhos, a prática de desporto. Também considero que a competição é uma fase muito importante dessa prática. E até alguns dos argumentos para a sua relevância são os que, afinal, revelam as falhas na formação de carácter de muitos que levam algumas modalidades do desporto de competição até a um patamar de importância social, nem que seja como espectadores. Não esquecendo as outras, como o futebol é, parece-me, a modalidade imperial no planeta que nos calhou, também é com ele mais visível que não basta ser-se espectador e adepto para se ser um nobre cidadão exemplar.

Já se começa, na Comunicação Social, a ter laivos de denúncia sobre o comportamento dos familiares da criançada que joga à bola nas equipas de formação em escalão lúdico. Mas o assunto está longe de chegar às cada vez mais desinteressantes “breaking news” que bem podem apregoar-se como o último grito da informação, mas não são senão um pipilar na formação de cidadãos mais conscientes. Até o que fazem aos comentadores é, muitas vezes, transformá-los em lançadores de búzios, pedindo-lhes que, na falta de assunto, se deitem a adivinhar sobre o futuro de casos que já foram espremidíssimos. Mas adiante.

Agora que se entrou em pausa no desporto dito rei, talvez seja uma boa oportunidade para os clubes com equipas de pequeninos, se debruçarem sobre soluções para fazer um real “shaming” aos adultos que, em treinos ou jogos à séria, se comportam como trogloditas, ofendendo os seus próprios filhos. Para já não falar da perpétua tradição de insultar o árbitro. É um espectáculo muito, muito triste, que revela e contamina a malformação de caracteres, como um ciclo geracional que teima em não se quebrar.

Quando, num outro escalão e a outro nível, a malformação de carácter assume contornos de posição ideológica, e se confunde com a liberdade de expressão e o direito à opinião, é o momento de intervenção do poder público. É a altura de ser implacável na aplicação dos procedimentos judiciais à séria. Até para que se evitem situações oportunistas de alegar crime como primeira tentativa de certos cidadãos adultos se desenvencilharem de situações pouco claras em que se envolvem e das quais, só quando não corre de feição, apelam “aqui d’el-rei”.

O escândalo dos comportamentos racistas dos adeptos de equipas de futebol que voltaram a ser notícia quase só de rodapé, para além de mexerem com as entranhas de quem foi educado com os princípios do civismo que permitem o progresso com humanismo, merecem acções que, de facto, levem quem apresenta sinais evidentes de malformação de carácter a fazer a terapia mais eficaz. Pelos vistos, não chegam as belas e comoventes acções preventivas que as instituições públicas e algumas iniciativas privadas tão bem têm empreendido.

Só assim a competição revela que os melhores possam ganhar e os que não ganham persistam no esforço de o conseguir. E que uns e outros continuem a comportar-se com o “espírito desportivo” que, de tão esquecido, parece ter abandonado os princípios de socialização, de respeito pelo adversário, de empenho na superação que eram as suas virtudes. E, ao abandono, se torne um lugar propício a gente que não defende, com desportivismo, a equipa do coração, porque está bom de ver que coração não mora ali.