13.6.23

Análise do discurso

A já demasiado longa “entretenga”, que é a novela sobre a fúria do adjunto do ministro e a intervenção ao “estilo CSI”, chegou à etapa de análise microscópica do tecido verbal em que os acontecimentos, já à distância, se embrulham. Estará na altura de se chamarem outros especialistas a ajudar às tertúlias: os linguistas (eu não sou, pelo que não preciso de fazer nenhuma declaração de interesse).

Talvez muitos ouvintes e leitores desconheçam que existe nos cursos de línguas e literaturas e, suponho, nos de comunicação, uma disciplina da área científica da Linguística chamada Análise do Discurso (e cujos ensinamentos são basilares para a outra disciplina, essa sim, tradicionalmente desenvolvida na minha área da Literatura, a Análise Textual). É sempre com alguma emoção que recordo as aulas que tive com o Poeta Alberto Pimenta, no final dos anos 80, nessa “cadeira” de Análise do Discurso. Imaginem o que é ter um Poeta e Linguista, tudo junto numa personalidade que tinha tanto de bondoso como de exigente e irascível! E para quem os espertalhões simulacros de conhecimento eram tão ofensivos como era importante, para ele, a imaginação criativa ao serviço da dignidade que a realidade quotidiana dos seres humanos, mesmo dos ignorantes, merece. E Alberto Pimenta dedicava-se a esse “serviço” lançando a palavra com precisão, ou dando espaço aos silêncios com uma provocação desarmante, para a qual era, e é ainda, preciso estofo. Aconselho que procurem os seus textos e escutem as entrevistas que andam por aí, na “nuvem”.

Desses tempos aprendi um princípio sobre a intencionalidade dos discursos que tem sido sempre uma espécie de farol. Naturalmente que o partilho com os alunos que vou tendo. E, de entre os que me ouvem, haverá, talvez, os que o escutam e, espero, lhes sirva também para a vida em sociedade. Não é um dogma, nem um mandamento, nem uma lei. Ser um princípio é fazer dele um argumento que dá espaço a mais argumentação, ao aprofundamento, à correcção com algum detalhar, o que me parece uma dinâmica muito mais humana e permite diálogos entre quem diz e quem ouve. Ou, na ausência de quem escreveu, manter o interesse, em quem lê, pelo que está escrito e instigar a investigação de contextos que ajudem a reconhecer pretextos.

Com tudo o que já foi dito sobre aquele episódio ministerial de investigação criminal, há quem queira fazer sequelas, o que, normalmente, significa degradação da qualidade nas séries. Pode ser que me engane, mas quem quer manter espectadores vai ter algum prejuízo se insistir em pagar a produção de mais episódios. Mesmo que se assista a uma constante tentativa de ter um papel importante num filme em que o guião não o inclui. (Pois, tenho de voltar ao de sempre, já que é forçoso lidar com a omnipresença dos insistentes exercícios de “casting” de Marcelo em frente às câmeras…).

Pois bem, o tal princípio é o que alerta quem, perante um texto - seja uma declaração, uma frase ou um verso -, o queira explicar e não comece o exercício por: “o que o autor quer dizer neste verso (ou declaração, ou frase) é…”. Porque, explico como explicou Alberto Pimenta, o que o autor quis dizer, o autor disse ou escreveu. É a quem lê que cabe decifrar a mensagem. Caso lhe interesse, claro. E recorrendo aos contextos disponíveis que ajudem a colocar como hipóteses os pretextos, a tal intenção. Espero que vos venha a servir, este princípio, quando acompanharem discursos e respectivas análises.

Parece que os discursos numéricos também se predispõem a análises cujos argumentos, contrariando quem diz que os números não enganam (imagina-se que ao contrário das palavras), são susceptíveis de se oporem, destruindo-se assim a precisão ditatorial que lhes dão a fama. Tudo isto é tanta pressão sobre os especialistas que muito me admira haver tantos que o queiram ser por amadorismo…