27.6.23

No fim do mês de santos e pecadores (é sobre LGBT+)

Esta crónica foi escrita não apenas, como sempre, para quem calhe a ouvi-la ou lê-la, mas desta vez imaginando ouvintes ou leitores para quem a causa LGBT+ cause incómodo e estranheza. Quem não “lhes quer nada de mal” e que, desde que não venham tentar que “se ache tudo normal”, que “façam lá o que quiserem, mas não me chateiem”. São fiéis seguidores da postura “Don’t Ask, Don’t Tell”, isto é, “Não Perguntes, Não Contes”, que vigorou até final do século passado sobre a manutenção de soldados homossexuais nas Forças Armadas norte-americanas. Postura que evitava chatices, no fundo, e mantinha as tropas vitoriosamente numerosas e fortes. Sempre metidos em guerras, precisavam de todos, apesar de...


O Mundo avançou, o bem-estar acrescentou-se de outros valores para além dos materiais, e agora até parece, a mim parece-me, razoável que quando acreditamos nas intenções benévolas de algumas causas que pensam a felicidade de mais alguns de nós, nem nos importemos, e até cheguemos a agradecer, que haja quem se empenhe por nós, a tempo inteiro, nelas. Imagino, inclusivamente, que possa acontecer, por exemplo, o que acontece com a minha causa de fazer crescer leitores literários. E onde, para além dos momentos (que são quase todos) em que “prego para convertidos”, tento convencer que ser leitor literário é poder ler melhor o mundo. Mas digo também a quem queira ouvir que, para alguns dos já bons leitores literários, e alguns são famosos por outras razões, essa leitura do mundo eventualmente fruto de muitas leituras de bons textos levou a péssimas acções. Outro exemplo, mais próximo do fracturante, é o do bem-estar animal: por mim, agradeço muito a quem para ele contribua, empenhadamente, e conheço pessoas que o fazem sem nos tentar obrigar a todos a repensar a nossa cadeia alimentar, também ela, de resto, cheia de interditos atávicos; ou então a apropriarmo-nos das vidas dos bichinhos com modelos de condições de vida próprias dos seres humanos. (Ou até melhores…)


Entretanto, pensei em destinatários desta crónica dedicados à causa LGBT+ que estão conscientes da dureza que é a revolução das mentalidades instaladas há muitos séculos. Quando as “estranhas formas de vida” eram, e são, varridas para debaixo do tapete. Não pensei, enquanto escrevia, que seria ouvida por quem transforma o desconforto em agressividade, por quem transforma os seus próprios limites em arames farpados para ferir os outros, por quem transforma a sua insegurança em ghettos de acesso impossível e onde quem calhe a entrar inadvertidamente é abatido. É muito disto que é feito quem prega a “ideologia de género” como sendo um “monstro”, colando-a ao movimento, que é causa, LGBT+. Será difícil explicar a quem pensa assim, porque é que à comunidade LGBT+ devemos muito no caminho da felicidade.


Há tanta “ideologia de género” na causa LGBT+, como há “ideologia religiosa” promovida por crentes, nas diferentes orientações da cristã à islâmica, passando pela judaica. Há adultos que educam as suas crianças para vidas em comunidades com que se identificam, seja em workshops e festas em que convivem com pessoas que não são criminosas por assumirem, sem esconder, que se sentem mais identificadas com sinais exteriores de um género do que de outro, ou de todos os géneros (será que toda a gente sabe o que foi na sociedade ocidental as mulheres usarem calças?). E, com a mesma convicção, há adultos que levam as suas crianças a escolas dominicais, madraças, procissões, peregrinações, ou Jornadas Mundiais de juventude. E estas até defendem, fundamentalmente, o amor e a solidariedade, sobretudo com os mais fracos e oprimidos na e pela sociedade.


Não podemos ignorar que há quem tenha adaptado a forma de estar e agir “woke” - que inclui a causa LGBT+ (até porque, nesta comunidade, uma pessoa negra e/ou pobre continua a ser ainda mais discriminada do que outra branca e/ou rica) - e o tenha transformado, ao “woke”, num alvo fácil por confundir o fim da invisibilidade de muitas pessoas que têm os mesmos direitos à dignidade das outras, com tendência a comportarem-se daquela forma a que se aplica a expressão “ser mais papista que o Papa”. Entra-se no disparate, ou seja, naquilo que é contrário à razão, à sensatez.


Com o Junho a chegar ao fim, mês de Santos Populares e dos pobres pecadores que somos, nós as criaturas, perante a perfeição divina, espero que as pessoas para quem imaginei escrever esta crónica ajudem a acabar com a escalada do discurso de ódio contra a causa LGBT+ a que temos assistido. Então até Julho, mês da Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Ou seja, até para a semana.