4.5.21

A Confiança

As sondagens que procuram opinião sobre conceitos abstractos deixam-me, na maioria das vezes, os humores a oscilar entre o divertido e o deprimido. Como não é sério menosprezar a depressão com comparações retóricas, nem vale a pena inventar injustamente sintomas, valerá mais acomodar-me no riso e continuar a levar, na medida do possível, a vida em sociedade muito a sério. Falo concretamente na última sondagem, publicada por um conjunto de órgãos de CS, sobre a confiança dos Portugueses.

A sondagem confirmou a desconfiança (aliás, várias desconfianças) como reacção a perguntas sobre temas relacionados com o escrutínio e combate da corrupção. O Português médio continua a confiar mais numa só pessoa, ou talvez num cargo institucional uninominal, o Presidente da República, do que em instituições de composição colectiva e, consequentemente, variada. Esta tendência tem dado ao Mundo alguns rumos infelizes, quer ao longo da história, quer no contexto actual. Percebe-se, de resto, que quando as coisas correm bem, a actuação desses heróis passam sem alarde e anda o Povo na sua forma do costume, mas que quando correm mal, correm muito mal a muitos e correm muito bem a muito poucos. (E esta é uma sondagem minha, feita com base na memória e na observação macroscópica.)

A desconfiança tem várias causas, como tudo, ao que parece. Uma dessas causas - de entre, por exemplo, a das más experiências, que será a mais traumática, mas
também a da ignorância e a do desconhecimento de como os sistemas funcionam - é uma causa desconfortável: julgarmos o resto do Mundo pela medida com que nos julgamos, feitas no fim todas as contas introspectivas, a nós próprios. Isto até afasta muitos de integrar colectivos bem intencionados, porque essa boa intenção deve constituir-se como um crivo pelo qual nem todos se sujeitam a passar. O mesmo acontecerá com colectivos mal intencionados, claro. É preciso é que o colectivo se mostre, diga ao que vai e como fará (ou o que não fará) para lá chegar. E é por isso que a desconfiança nas instituições, que são colectivos, me entristece. O que não entendo, à tristeza, como razão para deixar de estar atenta ao rumo das instituições e de quem, cíclica e democraticamente, se propõe ou é designado para as gerir.

Para me animar, lembro-me da anedota que retrata o grupo de amigalhaços de longa data e muitas intimidades, cruzadas e com geometria variável de confidências, gente de confiança portanto, que se encontram num café à antiga, daqueles com montra ampla e paredes cobertas de espelhos. À medida que cada um vai saindo, os que ficam vão revelando e comentando os pequenos crimes, defeitos e falhas dos que deixam o grupo. No fim da tertúlia, o último, já sozinho, levanta-se e ao ver-se ao espelho, exclama: “Deixa estar, meu aldrabão, que tu não ficas atrás desta corja toda que por aqui passou!”
É assim que acontece a muitos, quando a confiança se mede ao espelho.