27.4.21

O trabalho

Depois da comemoração nacional da Liberdade, recheada de questiúnculas próprias de certas famílias conservadoras, grandes ou pequenas, pobres ou ricas, quando os patriarcas percebem que o tempo deles passou e já todos podem falar à mesa sem lhes pedir autorização, juntamo-nos ao resto do Mundo, para comemorar o Trabalho. No 1o de Maio, o Trabalho, assim com maiúscula, evoca-se celebrando uma das suas partes conceptuais: a pessoa que trabalha.

A mim interessava-me muito mais celebrar o Trabalho enquanto processo e produto que move valores que o Tempo vem demonstrando contribuírem para o bem-estar individual e social. Infelizmente, como o estatuto da parte que se celebra, a pessoa que trabalha, ainda não se move à mesma velocidade no Mundo inteiro, usamos o dia para assinalar, naturalmente, a diferença e a necessidade de a eliminar. O que, previsivelmente, nunca em tempo de vida de quem diz e de quem ouve esta crónica, será uma necessidade suprida.

O trabalho aparece muitas vezes como um valor absoluto, pois representa o contributo que cada pessoa dá à sociedade, sendo por isso retribuído o seu esforço. É um dever com direitos, portanto. Acontece que o trabalho é ao mesmo tempo também um valor relativo e por isso trabalhos diferentes têm retribuições diferentes. Diferentes no valor salarial, na estabilidade de permanência, nas horas nele despendidas, por exemplo. E quanto maior a responsabilidade, à partida, maior o valor da remuneração. Muito dependerá, para se conseguir um determinado lugar de trabalho, do esforço que se faz para lá chegar ou das próprias características pessoais para o desempenhar. Isto quando tudo corre normalmente, o que equivale, também normalmente, a que o trabalho fique bem feito e quem trabalhe satisfeito. Se o processo é diferente, deveria acrescer um esforço complementar: ou provar que, não parecendo, se merece o trabalho que se tem, ou tratar de procurar outro trabalho que nos mereça.

Tudo muito bonito quando o há, o trabalho e a remuneração condicente, porque quando escasseia, a par da frustração vem a raiva de se ver que o mérito é uma palavra sem referente na vida real. Ou, ainda pior, quando se ouve a quem, a falar a sério e sem brincadeiras, que precisa que lhe arranjem não um trabalho mas um emprego onde quer ganhar mais e trabalhar menos. É assim que bem podemos exclamar que isso é, não apenas gozar com quem trabalha, mas fazer pouco de quem anda mesmo à procura de um trabalho.