13.4.21

Os Quatro Ódios da Desumanidade

 A propósito do Dia internacional do Cigano, a 8 de Abril, entrou em discussão pública o Plano de Combate ao Racismo e à Discriminação 2021-2025. São 15 páginas de texto, sem novidade, mas que expõem um Portugal dentro de uma Europa que julga e trata seres humanos, em colectivo ou individualmente, com menosprezo pela sua cor de pele. pela religião que professam ou pelos costumes próprios, mesmo quando neles não há incompatibilidades com o que se assume ser a civilidade, dentro da lei.


Negros, ciganos, judeus e islâmicos são maltratados ou ignorados pelo facto de o serem. Contra eles têm a diferença própria de quem está em minoria e não se encaixa num lugar, o Mundo, que põe a quantidade à frente da qualidade. E quando “os diferentes”, para sobreviverem, se reúnem e reclamam o seu lugar, não especial mas ao lado do “resto do mundo”, na reacção ressurge, muitas vezes, senão quase sempre, a desconfiança de que de discriminados passem a privilegiados.

A diferença assusta, o que me parece ser natural e acontece em todo e qualquer sistema vivo que precisa de equilíbrio para assim se manter. Mas a mim assusta-me muito mais o uso da nossa benesse, a que se chama inteligência ou razão, feito ao arrepio do que também existe porque somos gente, pessoas: o humanismo. Sabemos que, na ficção, a Humanidade se une quando a ameaça vem de fora da espécie, para logo se separar quando se trata de salvar a sua própria pele ou a pele dos seus. Acção, reacção. Mas o que para a maioria parece privilégio é a necessidade não de ser mais, mas de não ser menos. Porque a menoridade de um ser humano é avaliável, sim, num lugar chamado Justiça e tem de ter os olhos vendados para ouvir o cérebro e o coração no momento de julgar.

A maior vergonha da história da Humanidade é o esclavagismo. Porque foi o primeiro momento de confronto entre dominadores e dominados, definido pela diferença. E que teve os seus monstruosos sucedâneos, de que o Holocausto é a face mais visível. Do esclavagismo mantemos resquícios no dia-a-dia, como um sarro indelével. Resquícios que vão muito para além da anedota ou da piadinha fácil. Mas sempre que nos rirmos de uma dessas piadas não nos esqueçamos que ainda não é só uma piada, é, sim e ainda, uma atitude que persiste no mais insuspeito cidadão.

Apesar da legislação, os maus hábitos instalados exacerbam o pior que há na Humanidade em momentos de aflição. Períodos em que o valor dos argumentos desce na inversa proporção das ameaças ao que é meu e está em perigo. Torna-se mais fácil eliminar a concorrência que “eles” constituem, até evocando mais do que uma característica em minoria, para que eu “o dominador”, nós “os que estamos em maior número”, possamos ter mais espaço.

É nessas alturas que deixamos de ser gente e passamos a ser vermes. E aos quatro ódios da nossa desumanidade - negros, ciganos, judeus e islâmicos - juntamos para ajudar a iluminar os alvos a abater outros tantas “vergonhas inconfessáveis”: o sexo, a religião, a idade, a instrução, a situação económica, a condição social, a orientação sexual, a identidade de género e a nacionalidade. O que nos restará, eliminadas todas estas “fragilidades” da espécie humana distinta pela racionalidade, depois disto? Nada, digo eu.