“Uma vez são vezes a mais” é o
slogan que corre por aí, e que desconstrói a expressão idiomática bem
conhecida, para convencer os cidadãos a reciclar o lixo. É um bom slogan para
nos alertar sobre os riscos dos precedentes. E a situação ficou clara no
recente embrulho em que o incumprimento das regras na AR colocou quem, só uma
vez, as quebrou. Falo naturalmente da possibilidade de deputados únicos que,
por definição, não constituem um grupo parlamentar, terem intervenção em debates
quinzenais.
Convém lembrar que estes debates
foram uma criação do socialista António José Seguro, em 2007 (em plena maioria
absoluta do PS, portanto) que desagradou a muitos , nomeadamente a António
Costa. Afirmava então que os debates quinzenais no Parlamento condicionavam, e
cito, “a possibilidade da eficácia da consensualização política". Já o seu
ideólogo, Seguro, argumentava que os debates quinzenais permitiriam uma
"maior centralidade do Parlamento no debate político".
Chegados a 2015, não só a AR se
tornou o epicentro de uma nova perspectiva de lidar com a constituição
democrática de Governos, como se deu a quase novidade (tínhamos tido já e pelo
menos a UDP e Mário Tomé) de haver um DURP, isto é um deputado único
representante do partido. Por ser um Partido que, como os chinelos de borrego
alentejanos, não tinha pés esquerdo ou direito pré-definidos, todos os outros
foram “fofinhos” e acharam que “uma vez não são vezes” e deixaram André ser o
PAN.
Agora, em 2019, e mantendo a
linguagem figurativa na mesma zona que permite que se tenham os pés bem
assentes na terra, parece que ficaram com uma bota difícil de descalçar. É que
se a divisão de um tempo razoável para que dure um debate ordinário entre a AR
e o Governo é feito por ponderação de número de deputados por grupos
parlamentares, estas excepções tornam estes deputados, os “minuto-e-meio”, nuns
privilegiados, afinal.
Se se dividir o que é o tempo de
cada grupo pelo número de deputados que o compõe (a representatividade é isto
também), nenhum deles tem os 90 segundos que os três DURPs têm. São assim, os
precedentes que, como o próprio nome indica, não são só uma vez. Como vemos, e
aqui chegados, mais do que manter os holofotes todos sobre o Governo, estes
debates vão permitir que os parlamentares dividam as atenções de quem se dá ao
trabalho de assistir ao funcionamento das instituições que nos dirigem o
destino público. Pena que sejamos tão poucos e que mesmo alguns de nós os vejam
como um circo a pegar fogo, ou como quem assiste a corridas de automóveis para
ver acidentes. Quando se assiste a sessões também ordinárias das diferentes
Comissões, o calibre dos parlamentares - e já agora dos membros do Governo - é
ainda mais legível e escrutinável. Mas quer-me parecer que a ARTv tenha
“shares” miseráveis.
Até para a semana.