Não consigo olhar para a Greta sem
pensar na Pippi Langstrump dos livros de Astrid Lindgren, figura clássica da
Suécia para o Mundo. Com a Pippi, que aqui chamamos das Meias Altas, Miss Greta
partilha várias características para além da nacionalidade, inclusivé a de
deslumbrar as crianças, no caso de Pippi os bem-comportados amigos, com
arriscadas travessuras e uma imaginação prodigiosa. Estas travessuras e a
imaginação permitem-lhe não só construir um passado de aventuras dificilmente
verosímil mas muitíssimo eficaz para conseguir, também, o seu lugar central de
heroína no grupo com que contracena e nos leitores que a seguem na distância do
espaço e do tempo que a escrita permite.
É tudo verdade quando se diz que é
preciso que os jovens se envolvam na Política, que tenham consciência cívica e
que assumam comportamentos coerentes com aquilo que lhes ensinamos e que
esperamos que aprendam e incorporem na sua hormonal actividade natural e quase
indomável pelos próprios. Frequentemente, como a Pippi, os jovens em circuito
paralelo ao mundo adulto quebram estas expectativas (sim, quebram, porque
achamos que não serão capazes do que pedíamos) e, na corrente, soltam a sua
rebeldia em colectivo e tendencialmente activista. Mas se gostamos da jovem
rebeldia cheia de argumentos vivaços, toleramos pior as birras infantis. Mesmo
se ambas têm origem, afinal, numa qualquer causa.Quando ouvimos a Greta dizer
que se os adultos não gostam de ver os jovens zangados, então têm de fazer
aquilo que os jovens querem para eles deixarem de estar zangados, a ingenuidade
própria da criança que ainda há em Greta revela-se. Afinal, tudo começou mesmo
com uma birra, mesmo que tenha sido uma embirração com algo que está de facto
muito mal e deva ser mudado: se os adultos não querem saber do meu futuro
porque é que eu hei-de ir à escola que é onde, espante-se, os adultos me
preparam para esse futuro?
Quantas vezes nós próprios,
adultos, não temos vontade de fazer birras perante a falta de lógica no Mundo
(ou nos nossos mundos) e atirar-nos para o chão com o fatinho novo para
reclamar o que queríamos! Às vezes até conseguimos arranjar quem faça coro
connosco mas, pulsões à parte, percebemos que não será a birra a resolver o
assunto. E é por isso que depois, em princípio e se valer a pena, que
normalmente é mais dura que a birra, talvez optemos por escolher os métodos e
as propostas para contribuir com algo de concreto que colmate a falha entre o
que é desejável, o que é possível e o que, feito o balanço, não acarrete mais
problemas a outros níveis do que benefícios naquele nível onde nos debatemos. E
estes são os argumentos que me levam a discordar, entre outras coisas, com
votos de louvor à greve climática estudantil pela AR. Teria preferido que o
voto fosse de louvor pela crescente, e espere-se que persistente e consequente,
preocupação de todos e cada jovem com a protecção do ambiente em prol da
melhoria das condições de Vida na Terra.
A emergência climática não se
resolve num só nível. Muito menos quando já nos habituámos aos confortos que
vieram a reboque do vilipendiado Capitalismo a que, quando dá jeito, fechamos
os olhos... Parece mesmo um nó górdio que, mitografias adaptadas, não será já à
espadeirada que tem fim ou solução. (Votar e saber em que propostas é que se
vota seria muito mais adulto, aliás.) E é por isso que ainda não está resolvida
a emergência climática, mesmo quando há um número significativo de Políticos
que definem metas e propõem medidas com que, nas mãos de cada cidadão, seja
possível ir percorrendo (muito devagarinho é certo) o caminho que leve a melhor
destino. Mas os Políticos são mal vistos. Já quem faz Política e não se diz Político
parece que é um exemplo a seguir... Até se lhe perdoam as incongruências, como
“se perdoa o mal que faz pelo bem que sabe” o que é argumento pouco pedagógico,
de resto.
A Greta é uma miúda que leva outros
miúdos atrás numa causa justa com métodos próprios de miúdos. Ver adultos
irritados com a Greta parece-me ridículo, vê-los fartos de aturar o circo
montado à sua volta parece-me compreensível, vê-los exultantes volta a
parecer-me ridículo. Claro que devemos pensar que a culpa da zanga da Greta não
é da Greta, como podemos inferir que o estado de emergência climática a que
chegámos não é culpa da geração da Greta. A culpa é dos bisavós, avós, pais da
Greta, ou seja, das gerações anteriores à geração da Greta. Eu cá acho que,
enquanto os jovens se manifestavam e faziam greves que não salvam o Planeta, os
Políticos podiam reunir com os pais da Greta e pedir-lhes que também dessem a
cara pela causa. Que é o que se faz quando há desordens num lugar organizado. A
História conta-nos outros exemplos de outros jovens empenhados na mesma causa e
que, a avaliar pela pertinência do papel da Greta hoje, não resolveram tudo
(talvez nem mesmo uma parte) o que era preciso resolver então. Resta, pois,
saber não apenas o que os adultos de hoje podem fazer pelos seus jovens, mas
sobretudo o que os adultos de amanhã continuarão a fazer pelos jovens de hoje.
É esse o enorme compromisso que espero que já estejam a assumir, com ou sem
Greta, mas que podiam ter ouvido do que já tantos adultos repetiram antes. Como
os Pais dizem quando nos “espetamos” com a nossa vontade muito própria e “à
rebeldia” de conselhos e alertas: Eu avisei!