Ser-se
casmurro é um direito numa sociedade progressista, aberta e democrática. O
casmurro é aquele que persiste numa determinada ideia ou opinião. Pode dizer-se
que coerência não deveria faltar a um casmurro. Isto para além da persistência,
claro. Em termos práticos, o que pode acontecer é que o persistente vença mais
pelo cansaço do que pelos argumentos e que o coerente deixe de o ser se o
método de validação do argumentário for o comparativo e não o pontual e
absoluto. Este normalmente aplica-se a quem tem alguma dificuldade, ou então
uma agenda muito definida, em limitar as perspectivas que podem existir sobre
as coisas que dizem respeito às pessoas e são, por isso e como o adjectivo
indica, subjectivas.
Vem esta
conversa a propósito do recente desvirtuamento da lei conhecida como a da
“barriga de aluguer”, ou seja da gestação de substituição. Mas também sobre as outras
polémicas como as da interrupção voluntária da gravidez, da procriação médica
assistida, da mudança de género aos 16 anos e da sempre adiada eutanásia. Num
lampejo, será fácil dizer que, a propósito de tudo, os conservadores de direita
são contra e os radicais de esquerda a favor. Curiosamente, há um Partido que
diz que dá liberdade de voto quando o momento do voto chegar – sabe-se lá
quando – porque esta, diz ele, não é uma questão política. Não podia estar mais
em desacordo, já que é uma questão que implica leis que regulam a sociedade. E
se é certo que essa distinção de posições colectivas pode aproximar-se de
ideologias, também é certo que os colectivos são feitos, pelo menos alguns
progressistas e democráticos, de indivíduos com direito a opinião própria,
sempre difícil de expressar, parece-me, quando essa posição individual vai
contar para fazer e aprovar leis. Também por isso devemos conhecer muito melhor
aqueles que elegemos para deputados à Assembleia da República.
Voltando à
casmurrice, tantas vezes associada ao “ser do contra”, queria apenas terminar
dizendo que nenhuma das chamadas leis fracturantes, de que acima elenquei
exemplos, obriga quem quer que seja a praticar qualquer dos actos legislados.
Aos que são seus beneficiários é-lhes dada uma oportunidade, aos profissionais
que os assistem a possibilidade de fazerem objecção de consciência. Quanto a mim e aos meus, o que queria mesmo,
mesmo era não termos necessidade de utilizar nenhuma delas para termos direito
a ser felizes. E eu estou sempre à espera que uma legislação, progressista e
democraticamente discutida e aferida, contribua para essa felicidade também.
E já agora,
porque a felicidade em sociedade também é feita de equilíbrios entre direitos e
deveres e hoje se assinalam os direitos dos trabalhadores, envio daqui uma
saudação a mais um 1º de Maio!