Nem sempre é
fácil escolher um tema sobre o qual desenvolver uma opinião que interesse a
quem a emite e a quem a recebe. E quanto mais difícil é o tema, mesmo não sendo
à partida fracturante, para além de mais desafiante claro, mais põe problemas a
quem esteja vinculado a um colectivo pelo qual foi escolhido para ser seu
porta-voz. Falo acima de tudo de escolhas feitas, por vezes de forma misteriosa
para quem não participa nelas, para representar muito mais esse colectivo do
que aquilo que lhe dite o seu senso individual, à partida mais qualificável
como bom ou mau do que como comum. Quem, como tal, escolheu, esperemos que de
forma livre, vincular-se a, e representar, um colectivo que impõe uniformes até
nas sinapses dos neurónios, terá sempre uma tarefa difícil em agradar, ou
desagradar, de livre e espontânea vontade. Se por um lado, e em caso de
sinapses mais cansadas, chamemos-lhes assim, a tarefa fica facilitada pelo
exercício de olhar para o maestro e para a pauta e tocar consoante lhe digam
que toque, por outro lado, tendo sinapses activas e criativas, arrisca-se a não
só ver-se criticado pela sua opinião pessoal por companheiros de colectivo como
a pôr em causa a posição do próprio colectivo.
Tudo isto
parece, aliás, óbvio, mas não fácil nem simples, depois do que temos tido, por
exemplo mas não exclusivamente, em torno das questões de Justiça que envolvem
políticos e respectivos colectivos a que chamamos Partidos. O comportamento de
quem tem na expressão pública, por vontade ou obrigação, duas posturas aliás já
por si bastante eloquentes, diz tanto do indivíduo como do colectivo a que
pertence. Parece-me que um colectivo onde, até a partir do que parece opinião
díspar, se poder imaginar uma concertação de interesse comum será sempre muito
mais saudável do que aquele que solta as suas ovelhas num virtual campo livre
mas onde o pastor possui, apenas imagináveis para quem celebra a Liberdade,
tentáculos controladores que o tornam no irmão mais poderoso entre os irmãos
que apregoam ser seus pares.
Às vezes até
custa vermos indivíduos por quem temos respeito intelectual coartados desse seu
interessante, e expectavelmente livre, pensamento. São heteronímias forçadas,
cacofonias desconcertantes. Outras vezes,
o que no primeiro caso causa uma certa desilusão em que a marioneta não ganhe
vida e se desprenda da teia, transforma-se numa espécie de mau espectáculo em
que sentimos vergonha alheia pela inabilidade daquelas pessoas que, mesmo
presas por fios, têm tão más performances. Sobretudo quando já as ouvíramos
antes apregoar-se capazes de estar à frente de destinos vários, desde o
colectivo a que pertencem ao colectivo a que esperavam presidir. E tendo-o feito com a mesma messiânica
desfaçatez no passado como com o patético apelo com que suplicam, no presente,
à força do colectivo.
A demagogia, mais uma palavra de que cuidámos pouco e
se foi arrastando pela lama, já foi avaliada como elevada ou barata. Ficámos
com a barata, já que a elevada morreu com Demóstenes, Sólon e Péricles, a que
era “arte ou poder de conduzir o povo”, a que falava pelos menos afortunados, e
de que talvez só tenhamos vestígios numa concertação que encontramos em alguns,
mas a que também não nos eximimos de dizer, mesmo quando cheios de razão, que
“dizem tudo como os malucos”. Estes, normalmente, não têm muita sorte nem nos
ambientes mais populistas, até porque normalmente também não os poupam.