24.4.18

Entre Livros e Liberdade

Ditou o calendário deste ano que a crónica de hoje saísse entre o Dia Mundial do Livro e o 25 de Abril. Não sei o que é viver sem ambos e acho estranho que passados 44 anos ainda haja quem diga que não tem acesso, apesar de uma irreprimível vontade, nem a um nem a outra. Ter acesso não quer dizer ser obrigado a, significa escolher do que nos colocam à disposição. Ora isso dá muito mais trabalho e exige de um cidadão, quanto mais não seja perante si próprio e a sua consciência, responsabilidade. Aquela que não evita o erro, mas diminui o seu risco e, porque elas acontecem, nos justifica os porquês do que se fez e não deu certo. Permite-se a correcção da rota, com ou sem ajuda. Como num Livro que se pode ler de enfiada, ou em diagonal, ou intermitentemente, ou recorrentemente, ou aleatoriamente. Como numa Democracia, em que se pode reclamar com quem podemos escolher para nos gerir os destinos colectivos e depois dizer-lhes que não, que não os elegeremos outra vez. Se num Livro a emoção pode justificar, sem perigo de maior, as mudanças de rumo, já na vida em sociedade, a Política portanto, é da atenção que depende justificarem-se os usos que fazemos da Liberdade que Abril nos trouxe. E como é doce e quase justificável a tentação de andarmos todos distraídos. E abusarmos das palavras que nos oferecem, ao desbarato como restos de colecção.    

Já dizia o Jorge Palma, esse poeta-cantor de imagem desregrada, que Portugal, ai Portugal!, confundiu amor com pornografia. Também nos mundos do Livro e da Liberdade há muita confusão. Confusão não é sinónimo de diversidade e pluralismo. (Podia era ser sinónimo de populismo, sim, essa ameaça de que, feliz ou infelizmente, se ouve cada vez falar mais. E oxalá que não aconteça como no poema “Adeus” de Eugénio de Andrade, o que diz “E no entanto, antes das palavras gastas, /tenho a certeza /que todas as coisas estremeciam /só de murmurar o teu nome /no silêncio do meu coração. “)

Desta confusão não se livra a palavra “todos”. Esse plural de que o género masculino assume na Língua Portuguesa, a materna, a responsabilidade paternal de significar “elas e eles”. Mas vamos lá descer ao concreto. Um concreto onde tenho interesses próprios, um direito que me assiste, um dever de o dizer a quem, quer me oiça ou leia, tem direito de saber. Não basta ensinar todos a ler, importa alertar para que a leitura, ainda que de um mesmo Livro, não é igual para todos. E que ela exige atenção, concentração, tempo, esforço. Nós, os da Literatura, não andamos só a ler se respeitarmos e devolvermos à Literatura a razão da sua existência. Andamos, por exemplo, a experimentar cenários de Vida e de vidas. A concreta, a que se representa na ficcional. E até parece vice-versa. E também não basta dizer que se defende o serviço público e os seus funcionários – operacionais, técnicos, decisores – e desconsiderar alguns, por se achar que são elite (ó que mania esta de me contrariar o que aprendi, até mesmo antes de 74, de que sendo todas diferentes, sendo os vários esforços reconhecidos financeiramente de forma diferente, todas as profissões merecem a sua dignidade!).

E neste dia, entre o Dia do Livro, de que alguns, onde curiosamente não são os Autores os mais numerosos, se acham donos e convencem “en passant” os outros de que ler é, contraditoriamente, fácil e obrigatório; e o Dia da Liberdade, que algumas corporações confundem com incoerência, vou citar o Presidente de um Partido político de que sou insuspeita ser simpatizante: “Se a política do Governo foi acabar com todos os cortes, não tenho nada a opor a que se acabem com todos os cortes mesmo”. Ora aqui está um bom uso da palavra “todos”. 25 de Abril sempre! Unidos ou não, com empenho e coerência, todos venceremos!