"Tornamo-nos
no homem do uniforme que usamos" é uma expressão atribuída a Napoleão
Bonaparte. Fui buscá-la esta semana a propósito do “magnífico” corte de cabelo
do líder norte-coreano Kim Jong-un (não sei porquê mas a palavra “líder” na
minha gramática acompanha sempre muito bem com a referência àquela nação em
particular e que tem o seu máximo expoente de aplicação quando se lhe antecede
o carinhoso adjetivo “querido”). Foi, aliás, na qualidade de líder que,
determinadamente, terá imposto a todos os homens daquele país o corte de cabelo
igual ao seu. Parece que a medida está a criar algum incómodo aos
norte-coreanos que passaram de um extenso cardápio de 10 possíveis cortes de
cabelo – nem mais, nem menos – para esta uniformização que dita o que deve ir
por fora da cabeça daqueles homens. Já as mulheres, essas têm um limite muito
mais alargado, que até ver se mantém, de 18 modelitos para se comporem nos
cabeleireiros. Tudo isto em nome de um maior conforto e capacidade de repelir
os efeitos corruptíveis do capitalismo. Imagine-se!...
Se não fosse
trágico, porque o que se passa na Coreia do Norte todos sabem embora alguns disfarcem,
este assunto até era cómico, pelo ridículo não do penteado – gostos são gostos
– mas do desejo do líder em reforçar a idolatria que acompanha e “faz pandã”
com o comunismo e outros regimes totalitários e ditatoriais. E acaba por se
tornar risível a ideia de que todas as fardas e uniformes servem para evitar o
exibicionismo de uma diferença de estatuto e que, no que me agora ocorre, só
consigo ver ainda aplicável com essa função ativa às fardas de colégios e,
obviamente, aos trajes académicos, onde a feira de vaidades tem de
transferir-se, porque persiste, humanamente, para outros sinais exteriores de diferença.
Aliás, por muito uniformes que sejam as fardas, há sempre uns acessórios,
desconhecidos pela generalidade das pessoas, mas reconhecidos pelo meio e por
quem interessa, que distinguem as diferentes hierarquias e põem cada um no seu
lugar, acima ou abaixo, mas sempre diferente, creem alguns para melhor, de quem
não a usa.
Voltemos a
Kim, ao seu penteado e à frase de Bonaparte. Aquilo que seria uma versão
militar do ditado popular «o hábito não faz o monge» põe na aparência exterior
um sinal com um peso simbólico, habitualmente vindo de um passado recôndito e
grandioso, que limita e influi os comportamentos que se desejam, à partida,
dignos para que se continue a merecer envergar essa aparência. Mas ao pôr na
aparência esta importância, permite-se que muitos mais facilmente se escondam,
também nela, disfarçando comportamentos que não a mereceriam. Enfim, uma coisa
apenas compreensível para quem dá às roupas e aos cortes de cabelo não apenas o
valor do conforto e do gosto, esses inimigos do povo, para os transformar em
estilo de vida e até, imagine-se, forma de pensar, ou seja, obediência a uma
determinada ideologia.
E por muito
que esta manifestação do comunismo em estado puro, uma espécie de aldeia ou
quinta pedagógica da ideologia defendida onde se criam em cativeiro exemplares
para amostra, seja defendida por quem deseja que se replique no resto do mundo,
não consigo deixar de achar trágico que estas notícias saiam a público e que
esse resto do mundo se conforme com o que transparece deste uniforme.