É Páscoa,
semana santa, vou falar de ovos. Podia falar de coelhos, mas não me apetece, o
bicho anda com más conotações, coitado; podia falar de folares, mas o que os
torna desta época é o ovo que os acatita; podia falar de cabrito ou borrego,
mas de sacrifícios andamos todos “por aqui”; e podia falar de amêndoas mas, lá
está, caímos no ovo que é do que elas se mascaram nesta quadra.
Podem supor,
como eu supus, o quão difícil seria encontrar uma frase ou pensamento de autor,
mais ou menos erudito, em torno de ovos, mas nem por isso. A grande maioria
relaciona-o, ao ovo, ao tempo que há-de vir, ao futuro, à paciência, entre
outros conceitos mais ou menos inusitados.
É que me apetecia mesmo falar de como os ovos são ou uma espécie de
caixinha de surpresas, normalmente boas, ou, no extremo oposto, uma terrível
caixa de pandora. Que deles saem fofos pintainhos ou patinhos ou passarinhos,
enfim bichos de penugem que deixam qualquer um mais lamechas. Como saem répteis
que logo evocam bestiários do mal, mais imaginados e simbólicos do que reais.
Como saem espécies que são chocadas por outras espécies, como os do cuco, que
para os pôr, lá tem que ser, perpetuar a espécie e manter a linhagem, mas para
os chocar, que é o que dá trabalho e moengas, espera aí que tenho mais que
fazer… Como há, ainda, os ovos que sendo podres cheiram logo mal e se denunciam
quando se partem, e os outros, de que é
mais frequente encontrarmos vítimas o que me leva a pensar que são por isso os
mais perigosos, que aparentemente de bom estado albergam a maldita e quiçá
mortífera salmonela.
Afinal, eu
queria falar do ovo e parece que acabei a falar da espécie humana que também lá
tem, no fundo, no fundo, o ovo como génese. Isto está tudo ligado e por isso é
que é em torno de histórias que se explica a religião, que religa tudo, e
voltamos à Páscoa que está ligada ao Natal, como o nascimento está ligado à
morte, e encontrar linhas, que são as histórias, que unam estes pontos é ir
mostrando o caminho.
Oscilei, por
tudo isto, entre uma citação de Andersen, um autor por quem tenho um afeto
muito especial, e que a propósito do Patinho Feio, claro, dizia que «nascer
numa quinta de patos não fazia mal, desde que não se saísse de um ovo de cisne»;
ou outra de um autor com quem convivo bastante, C.S. Lewis das Crónicas de Nárnia que dizia que «pode ser
difícil para um ovo transformar-se num pássaro: seria uma visão divertida, e
mais difícil para o pássaro, aprender a voar permanecendo um ovo. No tempo
presente, somos como o ovo. E não se pode continuar indefinidamente a ser
apenas um ovo comum, decente. Deve-se ser chocado e eclodir ou apodrecemos.»
Ora, afinal, estes dois autores de chamada literatura
infanto-juvenil sabiam bem que isto de embalar as crias ao som de bons avisos e
princípios, como os que estão nas entrelinhas das boas histórias e sem
necessidade de grandes lições de moral a rematar, é meio caminho andado para
que saibamos que o que de um ovo saia, retirada a casca, ou é o que se espera
ou é uma surpresa para a qual devemos estar alerta.