2.4.13

VENCER I

Entre os diferentes modos que pode ter, transitivo “vencer alguém ou alguma coisa”, intransitivo “só vencer”, e reflexivo e pronominal “vencer-se”, vencer é um verbo com algumas definições e sinónimos. Mas há um que me agrada particularmente: resistir. E o modo é intransitivo, possui um sentido completo. É certo que há sempre um adversário implícito, coisa, ou pessoa, ou circunstância. Ou até um conjunto delas. Mas mais do que a derrota desse adversário é a situação que fica ultrapassada e os ganhos parecem não necessitar que haja quem fique amarfanhado com essa vitória. Eu cá acho que esta é a vitória dos corajosos!

Há gente comum que leva uma vida inteira a ter este tipo de vitórias. Não são particularmente reconhecidos por ninguém, não têm problemas em expor as suas dúvidas a quem as possa esclarecer, e quando se enganam de rumo reconhecem-no e tentam de novo.

Em política, e na posição de poder, resistir é um verbo que se conjuga diariamente. Porquê persistir então na conquista dessa atividade tão maldita? Julgo que a vocação, aquela de que falava o sociólogo Weber nos anos 20 do século passado, é o motivo mais provável. Ainda que a descoberta desta vocação, em particular, seja um caminho mais difícil do que de outras vocações, por exemplo mais avaliáveis “a olho nu”. Há quem, mesmo que resistisse toda uma vida, nunca pudesse ter um bom destino em artes plásticas ou na música. Não venceria nessas vidas…

A vocação é literalmente um chamamento que se sente, de dentro ou de fora, para o exercício de uma profissão ou ocupação. E há quem viva ou para aquilo ou daquilo para que está vocacionado. Assim postas as coisas, parece que quem “vive para” é melhor do que quem “viva de”, mas não creio que sejam atitudes irreconciliáveis. Ambas as situações me parecem possíveis, já que, convenhamos e os tempos o ditam, nem só da vocação vive o Homem! Se a vocação for exercida com um sentido de responsabilidade que refreie uma convicção, espécie de chamamento ao qual se obedece rigidamente e que, tantas vezes, pode tornar-se cega e transformar um bom princípio num mau fim. Citando Weber: «Há duas formas de fazer da política uma vocação: ou se vive para a política ou se vive da política. Tal contraste não se dá de forma exclusiva. Tanto na prática como no discurso, uma e outra coisa são feitas ao mesmo tempo: quem vive para a política torna-a a finalidade da sua existência, ou porque essa atividade permite obter prazer no simples exercício do poder, ou porque mantém o seu equilíbrio interior e a sua autoestima fundados na consciência de que a sua existência tem sentido à medida que está ao serviço de uma causa. Num sentido profundo, todo aquele que vive para uma causa vive dela também.»

Ora bem, assim sendo, o vencedor que o é porque resistiu não põe as culpas num adversário derrotado, ou num passado em que não esteve presente ou em que não teve poder para a ele se opor, porque essa é uma questão estéril e, como tal insolúvel. O vitorioso, que o é porque resiste, é quem está interessado no futuro e na responsabilidade em agir para esse futuro. E cito novamente Weber, na sua conferência “A Política como Vocação”: «Só possui vocação política quem tem a certeza de não se abater, mesmo que o mundo, na sua opinião, se revele demasiadamente vil ou estúpido para merecer o que ele pretende oferecer-lhe. Só possui vocação política aquele que reage a isso e é capaz de dizer: “Apesar de tudo.”»

Debrucei-me sobre a política e, portanto, na preocupação com o bem comum. Mas vencer com sentido de resistir também se aplica ao mais íntimo dos fenómenos, como a saúde de cada um e que só a cada um diz respeito. E evoco, terminando, um movimento ou associação de doentes, ou ex-doentes, que tem como nome e lema «Vencer e Viver». Haverá lá parelha de verbos mais a condizer com “resistir”?…