16.4.13

VENCER III

Chego hoje ao fim desta pequena excursão a propósito da expressão traduzida do latim por «chegar, ver e vencer» e que tenho desenvolvido em partes nesta crónica. Vou falar, então, do vencer de um coletivo, já que não me parece que quem vença alguma coisa o faça sempre, ou alguma vez, sozinho. As responsabilidades podem ser desiguais, muito desiguais, e essa diferença é nalguns casos saudavelmente reconhecida por quem ajuda outros a vencer. Aliás, raramente se conhecem essas pessoas que ficam discretamente nos bastidores a fazer o seu melhor para que tudo corra bem. E os melhores vencedores são aqueles que os reconhecem enquanto tal, de uma ou outra forma, mais ou menos discreta, mais ou menos pública, mas sem formato obrigatório.

Na gíria futebolística brasileira usa-se até a expressão «carregador de pianos» para os jogadores que discretamente ajudam os pontas-de-lança a marcar os golos. Mas a expressão tem curiosamente origem e desenvolvimento no meio da música mesmo. Parece que no Estado da Bahia, quando as famílias e as instituições precisavam de mudar um piano de uma casa para outra, havia homens especializados nesse transporte. Feito o caminho a pé e atravessando as ruas, esses homens iam entoando umas cantilenas que etnólogos até já estudaram e alguns compositores recuperaram. Enfim, ninguém conhece os nomes de cada um desses carregadores que, para além do cuidado com que carregavam aqueles pianos para não desafinarem, iam animando quem com eles se cruzava, bem como o seu próprio caminho.

Esta curiosidade, e a metáfora que a partir dela se criou, mostra-nos que quando uma equipa trabalha num esforço comum, mesmo que a visibilidade acabe por ser só de uma pessoa, esse trabalho reverte, de uma ou outra maneira, também para cada indivíduo dessa equipa de bastidores. Fico sempre chocada, quando me dão os parabéns por uma iniciativa, de qualquer dimensão que seja, mas ao mesmo tempo apontam críticas ao coletivo que represento. Mesmo quando essas críticas, ou o motivo delas, não inviabilizam a iniciativa e apenas registam o quão melhor esta poderia ser se não tivesse este ou aquele engulho.

Claro que não quero com isto dizer que se espere de alguém que faça sempre tudo bem e que as críticas, e os próprios erros, não sejam até úteis na aprendizagem de um caminho de aperfeiçoamento. Também sei que a maior parte das vezes quando há um vencedor este é entendido como um líder que puxa uma equipa e não como o resultado de um trabalho conjunto. Num caminho que se entenda como competitivo, e há tantos, deve-se contar não apenas com quem ajuda mas, e muito, com quem empata. E lá voltamos ao resistir! Por isso é que, às vezes, quem tem o lugar mais visível nestes caminhos é um piano, silencioso mas imponente, do qual só conheceremos as qualidades e a resistência aos tropeções quando for pousado. Mas até lá, é o esmero dos carregadores do piano que o levará a esse bom destino, e a equipa, que saem, vencedores.

Ponto final: um vencedor é sempre um vencedor e dele rezará a história, mas os carregadores de pianos, o seu trabalho em conjunto, a harmonia do seu relacionamento, como na metáfora da cantilena entoada, são imprescindíveis. Encontrar quem faça parte dessa equipa, e construir a própria equipa, também não é trabalho sem esforço e alguma sorte. Eu cá tenho-a tido, quando sou piano. Mas também quando carrego algum, trabalhando ao lado de quem se pauta por princípios semelhantes. E estou-lhes, mesmo sem mencionar os seus nomes, obviamente, muito grata.

Até para a semana.