23.4.13

ACREDITAR I

Vou voltar ao verbo acreditar e fazer uma série de crónicas em torno dele. Ainda pensei, para variar, pegar no seu sinónimo confiar. Mas confiar lembra-me fiado, que é como quem diz “levo agora e pago depois”, enquanto acreditar é mais “levo isto e descontam do que já aí deixei para crédito”. Deve ser esquisitice minha, já que também sou daquelas que prefere esperar pelos outros do que deixar os outros à minha espera. O resultado são sempre grandes secas que eu tento ocupar e fazer render de uma ou outra forma. Enfim, já percebemos todos que os verbos andam cada vez mais de mãos dados com a verba: crédito, fiado, fazer render… redemo-nos na linguagem ao capital!

Mas a razão por que volto ao verbo acreditar é o facto de ele ser nos dias que correm, e pelo menos em pensamento, muito conjugado na negativa. É mais comum ouvirmos “não acredito” do que o modo afirmativo. Numa época em que há cada vez mais ferramentas, eletrónicas, científicas e legais, para se provar que o que existe é, o que existiu foi e, nalguns casos, o que vier a existir será, parece contraditório que cada vez mais não se acredite em muita coisa.

A palavra de honra deixou de ter valor no mercado das relações humanas. Gastaram-se à tripa forra conceitos que não apenas se democratizaram, não senhor, mas antes se banalizaram. Não sei se o banal foi um mau uso da democratização, se foi a própria democratização, ou seja o tornar o que era exclusivo para alguns acessível a todos, que transbordou enquanto conceito, esquecendo outros que poderiam, e se calhar deveriam, coabitar com este democratizar que eu tanto prezo.

O que tenho como certo é que a democracia exige, de quem disponibiliza o que era só para alguns a todos, um imenso trabalho, uma perspetiva macroscópica dos assuntos e das coisas, uma capacidade de nos colocarmos em diferentes pontos de vista e de se perspetivar o futuro, conhecendo e reconhecendo os pontos importantes do passado, e, depois, pedra-de-toque, que é o que se diz quando falamos de meios para avaliar, optar por dar de determinada maneira o que melhor pode ser usufruído por todos e que se transforma, assim, no bem comum. Ou seja, e falando curto e direto, tudo isto exige um manual de instruções. As regras de uso, o que fazer em caso de avaria ou mau funcionamento, e outras FAQ’s que é como quem diz dúvidas mais frequentes e para as quais há respostas, tudo isto é necessário para que se acredite que quando usamos alguma coisa e partilhamos esse uso com os outros o possamos fazer de forma credível. Possamos, nós e todos, ou seja aqueles que usam e aqueles que põem à disposição para se usar.

Acreditar implica, pois, e para começar, medir as coisas e as pessoas a partir da nossa própria maneira de usarmos essas coisas e de sermos pessoas. Mas isto não chega, pelo que se acrescentará uma experiência que nos permita: com alguns continuar a agir assim, e acreditar que é uma opção certa; com outros, não acreditar naquilo que colocam à nossa disposição, em palavras, atos ou bens num sentido geral. Não acreditamos porque sabemos que não cumprirão, mas também podemos não acreditar porque discordamos que seja o melhor caminho para um determinado fim. Ou ainda, porque não acreditamos no interesse desse fim. Suponho que o primeiro, o não acreditar porque pensamos que não se cumprirá, é o que anda mais de moda. Para a semana, dir-vos-ei o meu porquê. Até lá.