8.5.12

Quem compra barato, compra duas vezes

Diz o provérbio popular que “quem compra barato, compra duas vezes”. Quando tudo agora gira à volta do dinheiro ou como dizia, com graça, um conhecido meu que “no princípio era o verbo e agora é a verba”, a cena do “assalto ao Pingo Doce” no dia em que me parecia que tudo fechava menos aquilo que era indispensável à sobrevivência humana, bem como o facto de ter viajado na semana passada, deu-me que pensar nisto do consumismo e da nossa humana e total dependência do ato de comprar.

Começo precisamente pela forma como o turismo e os turistas, com quem me cruzei em viagem de trabalho, estão tão mais sintonizados no consumo do que na fruição do que é novo e diferente num país estrangeiro. Faz parte de qualquer ponto turístico urbano que assim se assuma no mapa, um conjunto de lojas que, para além do produto local, são lojas de cadeias internacionais. Pululam por todo o lado e enchem-se também de turistas que comparam modelos e preços. O prazer completa-se com o consumo, mesmo quando o objetivo, aparentemente, não é comprar mas conhecer, ou pelo menos contactar com culturas e costumes diferentes ou, pelo contrário, descobrir no outro o que há de comum connosco. E também os freeshops são, por isso, um negócio que parecendo sempre bom para o consumidor, funcionam como uma espécie de íman para quem pretendendo consumir produtos mais supérfluos o faz querendo ficar de consciência menos pesada. Quero com isto dizer que, seja com leite, pão e carne ou perfume, cosméticos e whisky, procurar o mais barato, ou a melhor relação qualidade/preço é próprio de quem sabe que o dinheiro não nasce das árvores.

O fenómeno do açambarcamento a que assistimos na semana passada, para além do ato simbólico e ideológico de ter acontecido no 1º de Maio, podia ter acontecido, a meu ver, quer estivéssemos ou não, cidadãos portugueses, neste tempo de sufoco financeiro. Os saldos até eram, quando estudei francês, uma unidade temática e foi sobre eles que elaborei uma vez um discurso numa prova oral. Para já não falar do chique que era (não sei se ainda é…) apanhar um avião e ir aos saldos a Paris ou a Londres.

Mais do que o comportamento das pessoas em hordas foi a sua relação com a crise que fez correr tinta e opiniões nos meios de comunicação social, para quem estes incidentes, mesmo na vida banal, se tornam naturalmente notícia, contribuindo tantas vezes para que o incidente ou o incomum se transforme mais nisso mesmo. Quando as primeiras notícias sobre os descontos do 1º de maio começaram a sair é óbvio que me deu logo vontade de ir aproveitar para comprar aquilo que, sem data limite de validade curta, faz com que as contas que pago no supermercado rapidamente cheguem aos cem e mais euros. Não o fiz convicta de que quando lá chegasse o que eu queria já não haveria, espécie de desculpa para quem é cada vez mais alérgica a compras, no supermercado, nas feiras ou nas boutiques. O que é certo é que, mais do que antes deste dia e se calhar enquanto me lembrar dele, quando procuro hoje determinado produto na prateleira, mais atenção faço aos que estando em promoção são a minha ocasião para fazer melhor negócio.

Que o fenómeno da procura do melhor negócio se agrave em alturas de crise parece-me também um efeito natural e quem sabe o que é passar necessidades e transmitiu esse testemunho à geração seguinte será tendencialmente alguém que açambarca, mais para prevenir do que para consumir. Não será preciso uma pessoa ser forçosamente cigarra ou formiga, mas perceber que uma dispensa se vai gerindo e não é comprando por atacado o barato que é inútil que significa poupar e prevenir; mas que aproveitando a ocasião (como também se chamam os negócios das reduções de preços) conhecendo os produtos e o funcionamento do mercado, para além da demagogia da propaganda comercial (e por isso é que já há lições de educação para o consumo) pode-se comprar o dobro com o mesmo dinheiro. Na ida ao supermercado, como noutras idas (ao banco, à universidade ou às urnas) a consciência do cidadão ficará sempre mais elucidada se conseguir obter toda a informação e formação e se souber que a sua escolha, apesar dos imponderáveis que a vida traz, determina um rumo. Será então aquilo a que chamaremos a escolha consciente e que um dia, deixem-me ser utópica, desejo ver em hordas de cidadãos.